Conjuntura

Vereador tenta abrandar lei de nepotismo, aliados recuam, e ele denuncia todos pela prática

Vereador Felipe Chaves apresentou proposta de abrandamento e depois denunciou a prática de nepotismo (Foto: Gilberto Freire/Portal 14b)

O vereador Felipe Chaves (União Brasil) tomou uma atitude, no mínimo, inusitada ao ter um projeto de lei de sua autoria rejeitado por seus aliados na Câmara Municipal de Santos Dumont. Ao ver sua proposta de abrandar a legislação municipal sobre nepotismo ser derrotada, ele denunciou todos os vereadores ao Ministério Público por favorecer parentes com indicações em cargos públicos.

O projeto de lei do vereador Felipe Chaves entrou na pauta na última segunda-feira (4), quando dezenas de pessoas acompanhavam a reunião presencialmente na Câmara Municipal. Isso porque outra matéria polêmica estava em pauta: o reajuste dos salários dos secretários municipais dos atuais R$ 6.449,81 para R$ 9.600. A pressão popular acabou fazendo a votação do aumento ser adiada.

Com muitas pessoas ainda acompanhando as votações, a proposta de abrandamento da legislação municipal sobre nepotismo começou a ser discutida, gerando novos protestos e reclamações. Dessa forma, o acordo prévio para aprovação foi desfeito em plenário, deixando o autor da matéria irritado. Ao ser chamado para declarar seu voto, com a derrota já consolidada, Felipe Chaves partiu para o ataque.

“A lei municipal vale para uns e não vele para outras pessoas. Só se o Ministério Público então está se omitindo. Vou trazer a listagem, e os vereadores com parentes na Prefeitura vão ter que sair e os secretários também. Não existe isso. Não quiseram regulamentar, todo mundo tem que ser penalizado”, sentenciou. Em seguida, Felipe Chaves foi incisivo: “Por que as pessoas (vereadores) estão votando contra uma lei e mantendo as pessoas por trás? Isso é falsidade com o eleitor”.

Ouça o áudio da denúncia de nepotismo feita pelo vereador Felipe Chaves.

O problema é que, pela legislação atual do município, o próprio Felipe Chaves poderá ser atingido pela denúncia. Isso porque, segundo pessoas próximas ao vereador ouvidas sob a condição de anonimato, uma de suas sobrinhas trabalha na Câmara Municipal. O Pharol fez contato com o vereador Felipe Chaves na manhã dessa quinta-feira (7). Ele respondeu: “Daqui a pouco entro em contato”. Mas não retornou.

O vereador José Abud (União Brasil) ensaiou uma defesa do projeto ao justificar sua abstenção. Segundo ele, a matéria deveria ter um maior tempo de discussão na Câmara Municipal. “Não sou a favor de ficar restringindo o direito das pessoas. Isso é ditadura. Acho que todo mundo tem direito de trabalhar. Agora vai ficar recriminando a pessoa porque é parente do vereador”.

Cumprindo a promessa, na terça-feira (5), Felipe Chaves encaminhou ofício ao Ministério Público da Comarca de Santos Dumont solicitando “tomada de providências quanto às possíveis irregularidades na contratação/nomeação de pessoal nos quadros dos poderes Executivo e Legislativo em possível afronta à lei municipal 4.033, de 2009, que proíbe a prática de nepotismo”.

No mesmo documento, ele indicou haver “nomeações nos poderes municipais citados que estão em desacordo com o preceito da mencionada lei”. Em seguida, listou alguns cargos “que devem ser objeto de investigação civil pelo Ministério Público a fim de se fazer cumprir o que a legislação determina”. O Pharol teve acesso apenas ao ofício, sem a mencionada lista.

O Pharol fez contato com todos os 13 vereadores de Santos Dumont questionando a existência de parentes nomeados em cargos no Executivo ou no Legislativo. Keilon Mazilão (União Brasil), Conrado Luciano Baptista (PT), Sandra Cabral (PSD) e Flávio Faria (PTB) responderam não possuir nenhum parente em função pública comissionada no município. Altamir Motorista (Rede) disse que sua esposa trabalha como professora concursada na Prefeitura.

O presidente da Câmara, Luciano do Gás (Cidadania), Felipe Chaves (União Brasil), José Abud (União Brasil), Niltinho (PDT), Tião da Van (PTC), Tiãozinho do Formoso (PSC), Valdir da Banda (Patriota) e Tim Chora Neném (Cidadania) não responderam. José Lúcio, chefe de gabinete do prefeito Betinho (Cidadania), informou que avaliaria a possibilidade de uma resposta, mas não retornou o contato.

Como se daria o abrandamento do nepotismo?

O Supremo Tribunal Federal editou a súmula vinculante 13, em 2008, sobre a proibição da prática do nepotismo nos três poderes. Interpretações posteriores à norma acabaram por limitar seu alcance ao longo dos anos. Um dos pontos mais controversos envolve a limitação do nepotismo aos atos da “autoridade nomeante”, ou seja, prefeitos, presidentes das câmaras e secretários.

O problema de Santos Dumont passa justamente por essa questão. A legislação municipal, aprovada em 2009, proíbe qualquer forma de nepotismo, sem espaço para interpretações mais condescendentes. Foi isso que o vereador Felipe Chaves tentou mudar com seu projeto de lei, que, entre outras inovações, acrescentava à legislação em vigor o texto da súmula vinculante 13.

Caso a norma fosse alterada, seu entendimento era de que as nomeações para cargos políticos, por exemplo, os chamados de primeiro escalão, poderiam comportar indicações de parentes. Da mesma forma, esposas, filhos, tios e sobrinhos dos vereadores poderiam ser nomeados desde que não se configurasse ajuste recíproco entre autoridades nomeantes. E por aí seguem as muitas interpretações.

* Matéria atualizada às 23h20