Colunas

Farofada

Esta semana, o dono do mundo, Elon Musk, comprou o Twitter por 44 e um monte de zeros. O mundo já teve vários donos comprando várias coisas e depois sumindo. Muitos desses donos investiam em comunicação, uma das armas mais eficientes pra manter o mundo dominado. Cedo ou tarde, esses impérios, como outros antes, caem. Ou vão pro espaço.

A questão que cantou pelas redes sociais durante as especulações de compra era a da censura. O Musk vai liberar geral? Há quem chame isso de liberdade de expressão, mas carece de entender o que é e até onde vai a liberdade. Sem espaço na coluna pra definição do conceito (mas vale a consulta a um Abbagnano, Ferrater Mora ou, na pressa, Japiassú e Marcondes), passemos rapidamente por outro: regulação.

Regular é estabelecer parâmetros, normas a serem seguidas pra que tudo funcione bem. Quando a mídia é regulada, ela passa a seguir critérios e até a se amparar neles pra evitar absurdos, como manter ao vivo um discurso do Trump. Diversos canais excluíram o então presidente do ar, outros de suas redes, como fez o Twitter, pra evitar as insanidades.

Se o Musk quer abolir essas regras que, mesmo existindo, nem funcionam tão bem quanto deveriam, o Twitter vai se tornar (mais do que já é) terra de ninguém. Quando ele comprar os dez mandamentos, qual vai mandar suspender?

Em tempos de Exu, um pouco de sincretismo vai temperar o texto. O orixá da comunicação e da linguagem falou alto no último Carnaval carioca, saltou dos terreiros de Duque de Caxias pro mundo. Pra ter feito isso, deve ter ganhado um bom e farto ebó. Todo pedido a orixás deve vir acompanhado de uma oferenda, geralmente comida, muito por conta de Exu.

Ele carrega as mensagens, é o Hermes made in África, e pra isso precisa de pagamento. E guarda as casas dos outros orixás, por isso precisa dar permissão pra entrar. Exu é um preto enorme e guloso nessa proporção, pede comida pra levar os recados e pra deixar entrar. Sem o pagamento justo, desce o ogó em quem o menospreza. Ogó é seu bastão em formato fálico feito de madeira.

Exu entendeu faz tempo a regulação da mídia. Não é qualquer um que sai por aí falando com quem quiser e do jeito que pretende. O caminho certo requer um cuidado com o mensageiro. Sem esse cuidado, não tem mensagem, Exu não vai e o Twitter acaba. Como acabaram outros canais que pareciam eternos.

O orixá que viaja entre os mundos e leva os recados deve conhecer as diferenças de cada recadeiro. O Aristóteles também conhecia: não adianta falar pra todo mundo do mesmo jeito, as pessoas são diferentes. Esse é um dos pontos principais da retórica, que reconhece a multiplicidade de ouvintes. Cada espaço (uma casa, uma sala de aula, um bairro) tem um jeito próprio de se comunicar.

Desde o ano passado tramita na Câmara dos Vereadores de Juiz de Fora um projeto de lei sobre o ensino da língua portuguesa. O fato de isso ser responsabilidade federal, no entanto, parece não ter ocorrido ao jurídico do Palácio Rui Barbosa. Ou isso, ou ele faltou às aulas de português para compreender competências legislativas.

O signatário até começa bem o texto, dizendo que todos têm o direito de ser educados pela norma padrão da língua. O que vem depois é que impressiona: quem não usar a norma padrão tem que pagar multa. Ficou clara a diferença entre regulação e censura? Todes Todos que romperem com a norma padrão são contraventores. É como fazer farofa pra Exu com azeite de oliva extra virgem. Nossa cozinha tem dendê, já não é mais colônia, embora não negue o passado.

As línguas se transformam junto com a sociedade. Se for pra ignorar isso, vamos automatizar o ensino, padronizar cada aula, como os conglomerados (que se dizem) de ensino têm feito, desumanizando um pouco por dia. E assim não precisamos mais de Educação, nem de Comissão de Educação na Câmara, nem de Secretaria de Educação e nem de educadores… se bem que o reajuste de 33,24% do piso deu muito trabalho pro Sinpro-JF negociar, melhor não acabar com tudo isso por enquanto.

O que fica fácil de acabar? Com o projeto engessador. Foram várias notas de repúdio de diferentes instituições de educação, ou seja, instituições que lidam com Educação. Como o sargento-autor não deu aula nem no Colégio Militar, talvez devesse prestar mais atenção em quem entende do bordado e parar de pedir a professor que tá no chão da escola, ralando em comunidades, bairros, condições as mais distintas, pra pagar multa. Insistir nesse projeto é pagar mico. (Editor, se a expressão fugir à norma padrão, pode substituir por fazer papel de bobo ou passar vergonha, como achar mais prudente pra evitar prejuízo ao jornal).

Laroiê.