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Trabalhadores por aplicativo: luta, organização e a precarização do trabalho

Na última semana uma série de manifestações foi organizada pelos entregadores e motoristas de aplicativo em alguns estados do país. O foco principal dos protestos foi direcionado à rede iFood pelo cumprimento integral por parte da empresa de um Plano de Ações acordado com os trabalhadores durante o 1º Fórum de Entregadores do Brasil, realizado em dezembro de 2021. Desde então, a empresa teria cumprido em parte as demandas apresentadas pelos trabalhadores.

Segundo Paulo Lima, o Galo de Luta, liderança dos Entregadores Antifascistas, em resposta à redação do UOL economia – matéria publicada em 31 de março por Henrique Santiago –, as ações visavam pressionar a empresa a conceder o aumento anual dos repasses e rever o tempo de trabalho autônomo, em que o trabalhador tem mais liberdade de entrar e sair da plataforma.

Com toda a tecnologia a serviço do mundo capitalista liberal globalizado, ainda subsiste a exploração demasiada do trabalho em toda a sua gênese. Que o diga os entregadores e motoristas de aplicativos em todo o mundo.  E o que tem a dizer os trabalhadores da Amazon sobre as regras trabalhistas da empresa? De forma inédita seus funcionários enfrentaram a truculência, arrogância e o assédio da empresa e fundaram um sindicato em um dos galpões de entrega mais lucrativos da corporação, localizado em Nova Iorque, nos Estados Unidos. Por que empresas multimilionárias insistem em atacar direitos conquistados e pautar seus lucros agindo na desregulamentação das leis trabalhistas, na flexibilização dos contratos e na desvalorização de seus empregados?

Atualmente a mobilização e organização dos trabalhadores por aplicativo é uma realidade cada vez mais presente no interior dos conflitos de classe que marcam as relações de poder entre o capital e o trabalho. Nesse sentido, a universalização dos direitos assegurados através da formalização das relações de trabalho vem continuamente sendo minadas por agendas reformistas. Tais propósitos visam subtrair do trabalhador a estabilidade, a segurança e a regularidade salarial, substituindo o amparo jurídico e estatal por novas formas de gerenciamento, controle e organização do trabalho conhecidas como “uberização”.

A uberização do trabalho assume sua feição mais acabada dentro das plataformas digitais, mas não se resume somente a ela. Ludmila Costhek Abílio, do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas, ao abordar a questão da informalização e do trabalho just-in-time, expõe a uberização como um novo tipo de informalização ao submeter o trabalhador a uma situação que o desumaniza e o torna refém dos mecanismos de exploração de sua força de trabalho pelo controle maximizado de seu tempo. Tais condições são possíveis devido a um processo contínuo de transferência do controle das relações de trabalho diretamente para os grandes monopólios e oligopólios que atuam em plataformas digitais, sobretudo. Configura uma nova ordem de domínio econômico e social que aniquila garantias e direitos conquistados e transfere os custos e riscos para o próprio trabalhador dentro de um sistema de autogerenciamento subordinado, segundo a pesquisadora.

Vivemos nos últimos anos um estado de deterioração do trabalho formal via sucessivas reformas trabalhistas que retiram direitos historicamente conquistados pelos trabalhadores e mutilam a CLT. São movimentos provenientes de interesses privados políticos e econômicos que tomam as instituições e internamente promovem o desmantelamento dos órgãos de controle, fiscalização e justiça. Com isso, a flexibilização afeta a estabilidade no trabalho e sujeita os trabalhadores a condições precárias de vida. Sem o amparo das políticas públicas, ficam à mercê das forças do capital que atendem à lógica do acúmulo e atuam no controle e na centralização do mecanismo técnico-político do trabalho.

Decerto, as novas tecnologias aplicadas ao mundo do trabalho cada vez mais alteram o perfil das profissões, extinguem categorias de empregos, transformam as relações entre capital e trabalho e, obviamente, são responsáveis pela criação de novas profissões e (des) vínculos empregatícios, comumente denominadas de uberização. O problema aparece quando tais processos insistem em acentuar a precarização e a informalidade nas relações de trabalho, agravando o quadro de insegurança e vulnerabilidade entre os trabalhadores.

A exploração do trabalho presente na economia de mercado capitalista suscita ao mesmo tempo movimentos de resistência as suas arbitrariedades: a mais clássica delas é a greve; os breques e as paralisações dos entregadores. A luta de classes persiste no interior do mundo globalizado capitalista, justamente porque viceja a lógica do acúmulo e do lucro, responsável por gerar o empobrecimento e a desigualdade sem precedentes e em escala global. Somam-se aos modelos reivindicatórios clássicos, os protestos via redes sociais, o cancelamento, o twittaço, entre outras táticas. Contudo, significam somente recursos complementares que interagem com as atividades de mobilização e ação direta através de atos nas ruas, manifestações, protestos, pressões políticas, paralisações e greves.

Do outro lado da margem, o lado do mercado consumidor e do merchandising, as corporações insistem em impor uma narrativa embutida na ideia de que o mercado de trabalho e as relações entre patrões e empregados respondem hoje a outras dinâmicas, distantes daquelas assistidas nos séculos passados. Agora prevalece o discurso do empreendedorismo, do trabalhador proativo, flexível, criativo, detentor de virtudes individuais e força de vontade. Mas no interior dos galpões e depósitos, dentro dos automóveis, nos acentos das motocicletas e bicicletas e até mesmo a pé, a retórica desaparece e cede lugar à exploração via algoritmos.

As manifestações públicas dos entregadores refletem um conteúdo mais amplo das condições impostas às trabalhadoras e trabalhadores no atual cenário de flexibilização e desmonte das leis trabalhistas. Junto a isso, a inépcia do Estado em promover políticas públicas eficazes de combate à pobreza, controle da inflação, geração de emprego e recuperação econômica acentua o quadro desolador de milhares de famílias brasileiras. O breque à exploração da força de trabalho resgata a humanidade desses trabalhadores e coloca no horizonte o poder de mobilização e organização coletiva de que são capazes contra os abusos do capital.