Contexto

Como a fabricante irlandesa de latas e garrafas veio parar em Juiz de Fora

O executivo da Ardagh Jorge Bannitz com o governador Romeu Zema e a prefeita Margarida Salomão durante anúncio da instalação das duas fábricas em Juiz de Fora (Foto: Agência Minas)

A multinacional de embalagens para bebidas Ardagh anunciou na quarta-feira (25) a construção de duas fábricas em Juiz de Fora. Os empreendimentos serão conduzidos pelas subsidiárias Ardagh Metal Packaging e da Ardagh Glass Packaging produzindo, respectivamente, latas e garrafas.

O investimento total poderá superar US$500 milhões (cerca de R$ 2,5 bilhões), com a geração de 600 postos de trabalhos de forma direta, ou seja, de profissionais que trabalharão para o grupo Ardagh. As duas plantas serão construídas em um terreno no Distrito Industrial que pertencia à montadora alemã Mercedes-Benz.

A primeira unidade com previsão de início da montagem para setembro será para produção de latas e terá orçamento da ordem de US$ 260 milhões (R$ 1,3 bilhão), com duas linhas de montagem. A produção estimada é de três bilhões de unidades por ano a partir do final de 2023.

A instalação no Brasil de uma fábrica embalagens de vidro (garrafas) foi definida pelo grupo Ardagh apenas recentemente. Será a primeira do tipo no Brasil e contará com dois fornos na sua primeira fase. Não foi divulgada uma data para o início de sua implantação, mas a expectativa é de que, até 2024, as operações sejam iniciadas.

Mas como os irlandeses chegaram a Juiz de Fora?

O secretário municipal de Desenvolvimento Sustentável e Inclusivo, da Inovação e Competitividade, Ignacio Delgado, contou que, ao saber do interesse do grupo Ardagh em se instalar em Juiz de Fora, iniciou uma corrida para encontrar área e viabilizar condições tributárias e fiscais. A área foi comprada pela multinacional.

A Prefeitura de Juiz de Fora ofereceu incentivos fiscais como isenção de 2% do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) pelo prazo de 10 anos e 2% sobre o valor do total sobre o ITBI (Imposto de Transmissão de Bens Imóveis). As empresas que prestarem serviços na implantação da fábrica, terão redução do ISSQN (Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza) de 5% para 2%.

O secretário estadual de Desenvolvimento Econômico, Fernando Passalio, informou que Minas Gerais possui regime tributário diferenciado para o segmento. Foi em Pouso Alegre, no Sul de Minas, que surgiram as primeiras latinhas de alumínio fabricadas no Brasil, há cerca de três décadas. Desde então, o estado possui política específica para o setor.

Passilio explicou ainda que, quando um grupo procura o estado para implantar uma nova fábrica, geralmente há uma região previamente definida. Quando isso não acontece, são informadas as áreas disponíveis com as informações sobre os municípios. “Na maior parte dos casos, as empresas preferem comprar os terrenos, mesmo havendo disponibilidade de terreno do município ou do estado”.

O secretário disse ainda que não há direcionamento do governo para um empreendimento se instalar em uma região ou mesmo em um município.  “Imagina se determinamos um local e a empresa não consegue os resultados esperados. Nessa situação, com certeza o estado seria responsabilizado e teríamos sérios problemas.”

O CEO da Ardagh Metal Packaging, Jorge Bannitz, justificou a escolha de Juiz de Fora por se tratar de um município estratégico, com uma boa localização, que permite o deslocamento da produção para outras regiões do país e pela proximidade com clientes de bebidas. “Estamos em Minas Gerais, mas próximo do Rio de Janeiro e de São Paulo.”

E por que só chegaram agora?

A chegada do grupo Ardagh a Juiz de Fora se deve, em parte, à pandemia da Covid-19. De acordo com a Abralatas (Associação Brasileira dos Fabricantes de Latas de Alumínio), foram comercializadas 65,4 bilhões de latas em 2020 e 2021 no país, com faturamento R$ 35,8 bilhões. A mudança de hábito do consumidor no período explica os recordes.

A pandemia fez crescer o consumo de bebidas em casa, principalmente no mercado de cerveja, favorecendo o resultado positivo do setor das latas de alumínio. “Tivemos um crescimento no mercado de cervejas e nas plataformas de delivery, justamente o produto e o canal de vendas em que a lata se destaca pela segurança, praticidade e conveniência,” explica o presidente executivo da Abralatas, Cátilo Cândido.

Segundo ele, a lata de alumínio caiu no gosto do consumidor brasileiro, que faz com que o setor atraia cada vez mais diferentes tipos de bebidas. Atualmente no Brasil existem mais de 20 diferentes tipos de bebidas vendidas nas latinhas. Além da “tradicional” cerveja, refrigerante, energético e suco, houve o aumento da cachaça em lata, a chegada do vinho, da água, do suplemento e do café.

Atualmente o Brasil é o terceiro maior mercado consumidor das latas de alumínio, atrás da China e dos Estados Unidos. Mas o crescimento do setor na última década veio acompanhado de um fator que tem sido cada vez mais valorizado atualmente: a reciclagem.

O setor é pioneiro na economia circular e o Brasil, um dos poucos países que têm conseguido manter o patamar de reciclagem acima de 95%, mesmo com forte aumento no consumo. Com isso, o país figura à frente dos Estados Unidos, que recicla 59% das latas consumidas, e da Europa, com média de 67%.

Mas e fábrica de garrafas de vidro?

Sim, ela é a segunda aposta do grupo Ardagh para Juiz de Fora. E não deixa de ser uma boa aposta. A cerveja foi um dos produtos que mais faltaram nas gôndolas dos supermercados no ano passado. É o que aponta o índice de ruptura da Neogrid, indicador que mede a falta de produtos nos supermercados brasileiros. No caso da cerveja, a indisponibilidade manteve-se com seguidas altas em quase todos os meses.

Segundo Robson Munhoz, diretor de operações da Neogrid,a ruptura da cerveja é puxada especialmente pela falta de embalagens para o envase. “Com a dificuldade de produção, estão sendo priorizadas aquelas embalagens que mais giram e, com isso, há o impacto direto na indisponibilidade”.

De acordo com o presidente da Abividro (Associação Brasileira das Indústrias de Vidro), Lucien Belmonte, a produção de vidros para a indústria cervejeira vem abaixo da demanda há cerca de dois anos. “Há grandes aumentos de oferta programados para 2022, mas ainda não resolve, para 2023 a oferta fica mais acertada.”

A escassez de embalagens no setor de bebidas deixou de ser exclusividade do setor de cervejas nos últimos dois anos. Diversas vinícolas do Rio Grande do Sul reportaram escassez eventual de garrafas por causa do aumento do consumo. A demanda por vinho subiu, com o consumo per capita da bebida no país passando de 2 litros por ano em 2020 para 2,6 litros em 2021.

Em uma teleconferência para apresentação dos resultados do primeiro trimestre de 2022, realizada no dia 28 de abril, os executivos do grupo Ardagh justificaram a implantação da fábrica de embalagens de vidro (garrafas) no Brasil com respaldo nos contratos de longo prazo com os clientes. De fato, uma boa aposta!