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Mulheres representam 41% das filiações no estado, mas comandam apenas dois partidos

Imagem - Reprodução Instituto Alziras

Quarenta e um por cento das filiações partidárias mineiras são de mulheres. Apenas no PMB (Partido da Mulher Brasileira) e na UP (Unidade Popular pelo Socialismo), elas são maioria com 52,4% e 50,3%, respectivamente. Por outro lado, o Novo é o partido com a menor participação feminina entre seus filiados, somando apenas 21,94%.

Mas a presença das mulheres se reflete muito pouco na configuração interna de poder dos órgãos partidários. Dos 32 partidos com representação no estado, apenas o PRTB, com Rita de Cássia Alves Rezende Del Bianco, e o Podemos, com Neli Pereira de Aquino, não são comandados por homens. Até mesmo o Partido da Mulher é comandado por um homem, Jandir Vieira.

De uma forma geral, o MDB segue com o maior número de filiados: 195.472 (43,2% mulheres). Em seguida aparece o PT, com 168.755 (43,4% mulheres), o PSDB, com 144.169 (41,8% mulheres), e o União Brasil, com 141.422 (40,8% mulheres). Os dados atualizados sobre o perfil do eleitorado foram divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Embora o número de mulheres nos partidos seja superior ao daquelas com mandatos eletivos nos parlamentos e nos executivos, o percentual de 41% ainda não reflete a configuração da população brasileira composta por 51,8% de mulheres e 48,2% de homens, segundo a PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) 2019. Tanto nos partidos quanto nos mandatos, são muitas as barreiras para a representação feminina.

Para a professora de ciência política da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora), Christiane Jalles de Paula, a sub-representação de mulheres é anterior à eleição. “Os estudos indicam que as estruturas partidárias (especialmente os cargos de direção dos partidos) são pouco acessíveis às mulheres.”

Ainda há, segundo ela, a questão do financiamento de campanha. “As regras internas dos partidos para distribuir os recursos para seus candidatos são variadas, mas, de modo geral, as mulheres recebem um quinhão muito menor de recursos”.

Sem poder de decisão nas instâncias partidárias e sem dinheiro para viabilizar a candidatura, explica a professora, a mulher que se lança na política tem algumas rotas: herança familiar – casos nos quais a política é uma atividade na família – e militância em sindicatos, associações, igrejas, que permitem um nicho eleitoral.

Vários estudos realizados ao longo dos últimos anos chamam atenção para as barreiras encontradas pelas mulheres no interior dos partidos. Pesquisadora sobre representação política, a professora do departamento de ciências sociais da UFJF, Marta Mendes da Rocha, aponta dificuldades para mulheres acessarem recursos e para alcançarem posições de autoridade nas legendas partidárias.

Para ela, as mulheres precisam ter mais voz dentro dos partidos para as coisas começarem a mudar. “Isso seria muito importante tanto para tornar esses partidos menos hostis às mulheres como para pensar em políticas que pudessem fomentar a participação feminina. Também poderia diminuir o gap que existe entre homens e mulheres (nos partidos) e o gap entre candidatas e eleitas”.

‘O universo da política é um universo muito hostil para as mulheres’

Se nos partidos, considerados como a porta de entrada para a política formal, as mulheres encontraram barreiras, daí para frente a situação só piora. As mulheres são quase 52% da população, mas governam apenas 12% dos municípios. Uma única prefeita foi eleita numa capital – Palmas – e apenas duas estão à frente de municípios com mais de 500 mil habitantes: Margarida Salomão (PT), em Juiz de Fora, e Marília Campos (PT), em Contagem.

Os dados são do “Censo das Prefeitas Brasileiras (Mandato 2021-2024)”, do Instituto Alziras, organização não-governamental que estuda a participação das mulheres na política. No levantamento, as prefeitas indicam a falta de recursos para campanhas, o desmerecimento de seu trabalho e de suas falas, além do assédio e da violência no espaço político como os maiores obstáculos para as mulheres na política.

Para a professora Marta Mendes da Rocha, vários aspectos explicam a sub-representação feminina no Brasil. Entre fatores sociais e culturais, há a própria dificuldade para se dedicar à política, considerando o acúmulo de funções. “Há uma divisão sexual do trabalho muito forte, com as mulheres mais responsáveis pelos cuidados com os filhos, com os cuidados da casa”.

Essa questão, segundo a professora, ajuda explicar também o fato cada vez mais comum de as mulheres exercerem apenas um mandato e desistirem da carreira política. “Isso deve a toda essa dificuldade de acumular a função pública e os trabalhos domésticos, com a dedicação à família e à casa”.

Outro aspecto da sub-representação envolve aquilo que os estudiosos do tema estão chamando de violência política de gênero. Essa violência, explica Marta Mendes, tem como característica o assédio que acontece de várias formas contras as mulheres em busca de representação e as que já exercem mandatos. “O universo da política é um universo muito hostil para as mulheres em vários aspectos”.

A professora chama atenção para os casos recentes de deputadas e vereadoras assediadas, violentadas, hostilizadas, menosprezados, desvalorizadas. “Sem falar em ameaça à integridade física dessas mulheres. O caso da Marielle Franco é simbólico porque é um caso limite que mostra o tipo de risco que as mulheres correm quando se aventuram nesse espaço que é um espaço tão masculinizado, formatado pelos homens”.

‘É preciso institucionalizar as regras para que exista um mínimo de garantia para as mulheres’

Mas o que fazer para minimizar essa sub-representação? As formas de fomentar a participação das mulheres da política, considerando a proporção entre gêneros, a relevância e a contribuição feminina em todas as esferas da vida social vêm sendo debatidas nos últimos anos. Mas os avanços são ainda pequenos.

As pesquisas mais recentes sobre o tema chamam atenção para a necessidade de se ter órgãos mais representativos atentos às questões que atingem mais significativamente as mulheres, como a violência doméstica, as políticas públicas relacionadas com a infância e adolescência, os direitos sexuais e reprodutivos. “São questões que interessam mais particularmente às mulheres, pois têm impacto direto na vida delas”, explica Marta Mendes.

A inexistência de acesso a essas políticas públicas acaba gerando ônus para as mulheres, na avaliação da professora. “Isso impede as mulheres de participar numa condição de mais igualdade da arena pública, dos diversos espaços, para que elas possam se expressar, desenvolver suas potencialidades”.

As poucas conquistas nesse campo até o momento aconteceram por meio de reformas eleitorais. A primeira delas foi a implantação das cotas em 1996 e a mais recente, a reserva de parte dos recursos do fundo partidário para mulheres. O que se observa, no entanto, é que os efeitos dessas mudanças têm sido muito sutis.

“Quando a gente compara com outros países, que possuem sistemas eleitorais diferentes e têm uma representação muito mais significativo de mulheres na Câmara dos Deputados, como a Argentina e a Bolívia, vemos que nossas reformas tiveram um efeito muito tímido”, avalia a pesquisadora.

Para ela, a representação feminina avançou muito pouco no Brasil, num ritmo que não é aceitável. “São necessárias mudanças mais significativas nas regras. Por exemplo, com reserva de lugares para mulheres ou com sistema de lista fechada com alternância de gênero como se pratica na Argentina. De modo que as mulheres tenham chances mais efetivas de conquistarem esses espaços”.

Por fim, Marta Mendes defende um processo de institucionalização das regras como forma de segurança. “É preciso institucionalizar as regras para que exista um mínimo de garantia para as mulheres. Do contrário, na primeira oportunidade, essas regras são violadas, são abolidas. Os direitos das mulheres estão sempre de alguma maneira sob ameaça. Não apenas os direitos das mulheres, mas de todos os grupos subalternizados de alguma maneira”.

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