Colunas

Sequelas do isolamento social

(Divulgação/Pikisuperstar/Freepik)

Até a ciência trata as sequelas da Covid com o ditado das bruxas: non credo, pero que las hay, hay. Se o tempo vai trazer AVC, problemas de memória, crises respiratórias ninguém sabe, por isso é melhor não pegar.

O principal sintoma social do vírus foi o isolamento social. Tratado de modos distintos mundo afora, aqui no Brasil durou uns dias, pra algumas pessoas nem isso, e foi voltando ao novo normal, que pra muitos não tinha nada de novo e para outros pouco havia de normal. Só que as escolas seguiram por dois anos em regime de fake-Ead.

“Eu aprendo depois”, denunciou o tuíte o significado da abreviatura. Depois quando? Na volta ao presencial? Quando quiser buscar na internet? No dia em que precisar? Ou nunca? E o principal: aprendo o quê?

Mais impactante do que ouvir a professora de matemática do ensino médio dizer que os alunos não sabiam o que era Báskhara é entender que o colega tem razão ao dizer: “você dá aula pros primeiros períodos da faculdade? Então é ensino médio, porque nós, no médio, estamos com alunos do fundamental.”

O principal foi feito: vidas foram salvas, eis a questão maior da discussão e que não deve ser posta em dúvida.

As consequências da ausência de encontros presenciais criou um grupo (que não pode ser chamado de geração, porque tem um espectro mais amplo) de carentes. Não bastassem as crises de ansiedade, depressão e comodismo da juventude, a inércia passa a acometer os que voltam a frequentar os espaços coletivos.

A sala de aula deixou a sala de casa e voltou para as carteiras e os quadros negros ou brancos ou digitais. Estudantes se abraçam, riem, frequentam as cantinas e as aulas, mas desaprenderam a lidar com o processo ensino-aprendizagem presencial. Querem gravar a aula ou perguntam em que drive fica o material, perguntam várias vezes as mesmas coisas e não sabem como fazer pra dormir na aula porque não conseguem mais desligar a câmera.

Precisam interagir com a disciplina, mas não sabem como. E nem é só perguntando em sala, dialogando com o professor e com os colegas. Saem com dúvidas e não têm mais o chat pra perguntar, voltam alheios porque precisam e não conseguem estar conectados ao cronograma pra entenderem do que se trata a disciplina.

E nas disciplinas em que o estudante precisa demandar do professor, não faz isso. Acomoda-se com as orientações, vai embora e depois não sabe o que fazer. E não faz nada. O aluno imaturo se torna também incapaz de agir como quem busca o conhecimento. Isso pode ser confundido com irresponsabilidade (em alguns casos é), mas se trata de ingenuidade, porque os mais velhos não puderam, por orientação ou deboche, mostrar as malícias da vida acadêmica, não tiveram os últimos dois anos de cantina, corredor ou trote pra esse terrorismo.

A culpa é da Covid? Claro que não.

É da sociedade? Menos ainda.

Do poder público que manteve o ensino remoto? De jeito nenhum.

Quem deve arcar com tudo isso?

O professor, claro. Aquele que precisou ser digital influencer pra dar aulas, gastou tempo, dinheiro e coluna vertebral por dois anos pra tentar aprender a ensinar e agora, de volta ao conforto da sala de aula, tem que aprender de novo a dar aula.

Dar aula como antes não funciona mais. Aquela aula daquele jeito pr’aquela turma não dá certo, não mais, ou não ainda. Esse início (longo início) é de adaptação. O professor, que deveria ter sempre um Adicional Psicólogo no salário, deveria receber agora um Abono Carência, pra suprir a da estudantada.

Quando o professor cede demais, ciente das fragilidades, corre o risco de perder o tom da disciplina. Se aperta demais, mesmo que não chegue ao que era antes do distanciamento social físico, é carrasco, insensível, babaca. De todo modo, a culpa é dele. E, como dizia o Professor Raimundo, “o salário ó…”