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Foi só a cabecinha

Esse método contraceptivo já foi justificado por gerações: foi só a cabecinha. O assunto é sexo por enquanto. Chega a ser risível o sujeito falar isso quando a moça pegou criança. Parecem duas meninas brincando de pique: ela pegou criança. E com esse individualismo: ela pegou criança sozinha. O português é mesmo uma língua muy rica.

Há quem diga que a expressão “feita nas coxas” também é sexual. Sexo ruim. Funciona como analogia, mas a expressão tem outras hipóteses de origem e polêmicas, como a das telhas feitas nas coxas dos negros escravizados e que não se encaixavam direito, por isso a água pingava no chão. Sexo nas coxas também é assim, não encaixa e pinga no chão. Funciona melhor do que só a cabecinha.

Outro dia um médico falou que nunca pegou Covid. Visita UTI de Covid e nunca pegou Covid. Teorias das conspiração podem dizer que ele tem algum bizú alternativo que a ciência esconde da população. Ou poderia estar mentindo. Só que não, dizia a verdade e sem mágica, só com máscara.

A moça mais honesta foi a que explicou no trabalho o resultado positivo do exame dizendo que se deixou pegar pelo vírus. Essa pegou sozinha, se isolou em casa e seguiu as orientações médicas até novo exame, negativo.

“Todo mundo vai pegar!” virou verdade absoluta, quase tão importante quanto frase de caminhão (antes de todas serem substituídas por Jesus e sua franquia). Se todo mundo vai pegar, por que tem fila de vacina, cientistas atuando em várias frentes, fábricas produzindo máscaras? Que a sociedade chute o balde, que todos peguem, que as mutações cheguem mais rápido e que as orações pela chegada do meteoro possam ser descartadas.

Pode até ser que todo mundo pegue, mas o esforço pra evitar isso deve ser feito. Pela doença (que pra muitos tem sintoma de gripezinha) e pelas consequências, as desconhecidas sequelas que já passam por questões de memória, olfato, paladar e respiração. Pesquisas indicam que a Covid seja uma doença vascular, não uma doença respiratória, como se acreditou por tanto tempo. Resultados do contágio podem demorar anos até surtir efeito.

“Cansei da pandemia” é outra frase que se escuta por aí. Quem se cansa de um filme, sai da sala ou troca de canal. Quem se cansa de alguém, sai de perto. Quem se cansa de um governo, elege outro. Quem se cansa da pandemia, precisa aprender a conviver com o cansaço. Se chama altruísmo.

É possível viver tomando cuidados. O uso de máscara é bem menos incômodo do que os sintomas da doença, dizem os que tiveram. E do que as sequelas.

O aluno tirava a máscara pra beber água em sala e parecia tomar um galão, porque demorava minutos pra colocar o troço de novo na cara. Ia falar com alguém, tirava a máscara. No instante em que saía da sala, tirava a máscara. No dia de apresentar trabalho não foi à aula, testou positivo. O que fazer com o trabalho? Ficou se perguntando e, entre os sintomas, estava a angústia.

Pior seria se tivesse ido apresentar, como tantos fazem em outras circunstâncias. E sem máscara.

Depois de meses de luvas, álcool em gel e líquido esfregado em tudo quanto é canto, isolamento social e pedidos por aplicativo, a humanidade aprendeu que é mais simples se cuidar: máscara, ambientes abertos, poucas pessoas num mesmo espaço. E máscara.

Isso torna impossível o contágio? Claro que não, mas ajuda bastante na prevenção. Se a tensão dos cuidados se tornar um hábito pra todo mundo (foram mais de dois anos pra treinar!), fica mais tranquilo viver em sociedade. Se cada um observar como tem agido e por onde tem passado, a comunidade pode ajudar a baixar os índices que seguem por demais elevados, entre contágios, internações e, sim, mortes, muitas mortes. É só usar mais a cabecinha.