O crescimento das desigualdades no mundo, o agravamento da crise climática, o caos político generalizado, a crise civilizatória. Tudo isso exige uma reorientação do sistema político-econômico global. O mundo está à procura de novos rumos. Em todo o mundo a desigualdade está atingindo níveis dramáticos.
O diagnóstico é do Ladislau Dowbor, doutor em Ciências Econômicas pela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia e professor titular da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Ele conversou com O Pharol por telefone um dia antes de embarcar para Juiz de Fora, onde participou na quinta-feira (28) do 1º Fórum Próximo Futuro.
O Pharol – Como pensar o próximo futuro em um momento tão turbulento?
Ladislau Dowbor – Estamos numa transformação social profunda. As pessoas chamam de crise civilizatória e com razão. O nosso problema não é econômico. Se você pega o PIB do Brasil que é de R$ 8,7 trilhões e divide por 214 milhões (de habitantes), isso resultaria em R$ 13 mil por mês para uma família de quatro pessoas. O que a gente produz hoje por mês de bens e serviços corresponde a R$ 13 mil para uma família de quatro pessoas. Podemos fazer ajustes no cálculo, mas o básico é o seguinte: o que a gente produz no Brasil é amplamente suficiente para todos viverem de maneira digna e confortável. É só reduzir um pouco a desigualdade.
O Pharol – O problema é a desigualdade.
Ladislau Dowbor – A desigualdade é o problema estruturante do Brasil. Isso é o que está nos travando. Quando você gera esse nível de desigualdade, a população não tem como fazer suas compras. Isso gera redução da demanda, levando as empresas pararem de produzir porque não têm para quem vender e estão atoladas em dívidas. O país está se desindustrializando. Apenas dois setores estão funcionando hoje: a exportação de bens primários e os lucros financeiros. A parte produtiva está desmilinguida. O problema, como se vê, não é econômico, mas de organização política e social.
O Pharol – A desigualdade acaba sendo um problema mundial. O que diferencia o caso brasileiro?
Ladislau Dowbor – Isso no Brasil se apresenta de maneira grotesca, afinal estamos entre os dez países mais desiguais do planeta. Mas a dimensão é mundial. O mundo está à procura de novos rumos. Em todo o mundo a desigualdade está atingindo níveis dramáticos. Estamos promovendo a destruição ambiental e temos basicamente uma semiparalisia econômica, mesmo com tantos avanços tecnológicos.
O Pharol – Quais novos rumos estão no horizonte?
Ladislau Dowbor – Tudo isso faz com que apareçam na linha de frente não mais gente alinhada com Milton Friedman e a Escola de Chicago, que inclusive vivem na cabeça do nosso ministro da Economia (Paulo Guedes), que são visões de 40 anos atrás. Agora temos uma linha mais construtiva. Hoje temos Joseph Stiglitz, Thomaz Piketty, Mariana Mazzucato. Enfim, uma massa de gente que trabalha as alternativas de organização política, econômica e social.
O Pharol – O que eles estão propondo?
Ladislau Dowbor – Isso envolve retomar o papel articulador do estado. Não mais estado mínimo. Rever as privatizações, pois há coisas que funcionam melhor com o estado e outras com o setor privado. É preciso ainda resgatar o papel da sociedade civil. Uma sociedade desorganizada não consegue impor suas prioridades. Sabemos o que precisa ser feito. Uma sociedade que precisa ser economicamente viável, mas também socialmente justa e ambientalmente sustentável. Esse tripé é aceito mundialmente e aceito inclusive pelas corporações. Todas falam em “ESG” – a sigla vem do inglês Environmental (Ambiental, E), Social (Social, S) e Governance (Governança, G).
O Pharol – O problema é que temos os meios financeiros, temos os meios tecnológicos, sabemos o que deve ser feito, mas as coisas não acontecem.
Ladislau Dowbor – As coisas, de fato, não acontecem por travamento político. O que predomina hoje no mundo é o sistema financeiro, que segue extorquindo de diversas maneiras, mas isso está paralisando o planeta. A gente analisa os dramas. Tem tantas pessoas passando fome, tem tantas crianças fora da escola, tem a contaminação pelo vírus, tem o aquecimento global, tem a perda de biodiversidade… Sabemos tudo isso. Temos as estatísticas exatas. Estamos vivenciando uma nova articulação. Não é mais só globalização, não é mais o consenso de Washington, são novos rumos. O planeta está buscando novos rumos.
O Pharol – Mas o que fazer para que os novos rumos aconteçam?
Ladislau Dowbor – Precisamos dar um passo atrás nos problemas. Pensar por que os problemas existem e por que não estamos resolvendo. O problema central é de governança, do processo decisório. A impotência do (Joe) Biden para mudar alguma coisa nos EUA, quando os EUA estão indo para o brejo. O (Jair) Bolsonaro no Brasil com as políticas absolutamente absurdas do ministro da Economia. As idiotices do Boris Johnson (ex-primeiro ministro) na Inglaterra. As maluquices do (Recep Tayyip) Erdogan na Turquia, do (Viktor) Orban na Hungria e por aí vai.
O Pharol – Como chegamos nisso?
Ladislau Dowbor – Há uma perda de rumo simplesmente porque o planeta mudou. Veja a questão das grandes fortunas. A BlackRock (gestora de ativos com sede nos EUA) administra US$ 10 trilhões. O orçamento do Biden para reorganizar os EUA é de US$ 6 trilhões. O sistema financeiro passou a dominar em nome dessa máxima de que “os mercados têm que funcionar”. Não é que os mercados têm que funcionar, mas a economia precisa funcionar. A sociedade precisa funcionar. A natureza tem que funcionar. Essa é a busca de se retomar a função social da economia.