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Saudades da pochete

Todo período tem sua moda, suas manias, os assuntos que mais se destacam na mesa de bar, na fila do supermercado e na manchete do jornal. Sem contar os programas de entrevistas e de fofoca. Até nos de humor, dependendo do assunto, o tema da vez chega.

Na metade dos anos 1980, o Brasil respirava a redemocratização. Falava-se de eleições, de votar, de reestabelecer o país depois de uma ditadura. O assunto perdeu espaço pra Aids, que a ignorância chamou de câncer gay e que atingiu muita gente, sem escolher orientação sexual, cor ou idade. Atendendo a pedidos, o vírus mostrou o verdadeiro comportamento democrático.

No final da década, depois de ficar muito tempo sem treinar como votar, o povo elegeu o Collor, com um empurrãozinho da mídia. Empurrãozinho igual ao dos japoneses com luvas brancas no metrô de Tóquio: o trem só fecha as portas e anda quando eles agem. No início do novo mandato, a moda era passear de jato, de jetski e usar camisetas com frases bonitinhas. As camisas bonitas do Fernandinho eram mais comentadas do que o confisco da poupança.

Sem ter muito como explicar algumas transações, o governo pegou carona na moda do crime passional lançada pelo Guilherme de Pádua e colocou o PC Farias na baila, mas nisso o Collor já tinha sido impichado e o Itamar fazia o primeiro governo pop do país desde JK: a República do Pão de Queijo.

A moda das camisas estampadas foi substituída pela do topete, pelo uso do fusquinha, de novo na linha de produção, e pela da ausência de calcinha no Carnaval. A grande moda foi o lançamento do Plano Real, moeda que segue na boca do povo, embora nem tanto no bolso.

Virou moda falar que o Real custava o mesmo, ou até mais, do que o Dólar. Por isso era moda importar coisas de todos os tipos e exportar o presidente viajante que falava até francês. Muito chique esse país do FHC, um modismo atrás do outro. Inclusive foi ele que lançou a moda de quase quebrar o país pra garantir a reeleição, repetida este ano. Embora hoje o quebrar esteja bem mais perto do que um novo mandato.

Entre grunges e góticos, foi a década do tetra no futebol e do Nelson Mandela na presidência da África do Sul, mas a moda no Brasil era privatizar. A Vale que derramou lama outro dia foi vendida naquela época e as empresas telefônicas que oferecem WhatsApp de graça pras pessoas fazerem grupos de família também. Quase ninguém viu, porque precisava alimentar o Tamagochi enquanto o Brasil descia na boquinha da garrafa.

Em 2002 teve uma moda que voltou agora: a onda vermelha. A daquela época era mais Pantone, a de agora tem uns 50 tons misturados, em constante movimento. Parece pintura do van Gogh. E depois da onda vermelha, a tsunami de crise mundial chegou aqui como marola. A grande moda no Brasil era consumir. Foram dois mandatos de consumismo frenético num país que entrava pro time dos grandes da economia mundial.

Se a moda no novo milênio era ter superado o fim do mundo, o Lula se tornou “O cara” e elegeu o que a turma do beijinho no ombro chamava de postes: Haddad em São Paulo e Dilma em Brasília. Basta um pouco de leitura ou de documentários pra que as pessoas conheçam melhor essas figuras. Só que é mais fácil bater, ainda mais bater em mulher.

Dilma foi impichada num movimento que os estudos chamam de golpe, mas o povo do poste chama de justiça. Já estava na moda, desde julho de 2013, tirar as bandeiras que sempre estiveram nas ruas e colocar a bandeira do Brasil nos ombros pra chamar de patriotismo. Ah, e cantar o hino, o que os jogadores do Zagallo já sabiam pra não passarem vergonha. Também tá na moda esse bicho, quer dizer, nicho do verde e amarelo não saber explicar o que faz nas ruas.

O país que bateu na presidenta seguiu a moda coerente do machismo alfa e elegeu seu espelho. A moda do preço alto dos combustíveis só cresceu, a do desemprego segue firme e a da fome cavalga sem esforço. A moda da Covid foi estimulada, com os looks cloroquina e aplicação de ozônio, e a nova tendência do ano é a varíola do macaco. Sem sair da gripezinha, o país entra numa crise alérgica.

Que a moda da democracia e do respeito volte a pegar.

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