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Ângela Maria era um dos fantasmas carijós

(Foto: Reprodução Tupi Foot Ball Club)

Nos tempos de Ângela Maria nada na cidade era mais fantasmagórico que o Estádio Salles Oliveira, quando a tarde caia. Lá a noite não chegava aos poucos: num minuto os jogadores mais dedicados estavam treinando os últimos chutes a gol; no minuto seguinte, antes mesmo que a bola chegasse às redes ou fosse defendida pelo goleiro, o breu já tinha tomado conta de tudo. E restavam, então, três lâmpadas, de brilho bastante fraco: na entrada do Estádio (onde ficava o bar improvisado do Evaldo), no corredor, entre os vestiários, e a última bem ao fundo, para mal iluminar o alojamento dos juvenis.

Para completar o cenário, O Estádio Salles Oliveira fica em Santa Terezinha, o Bairro daquela mítica escola, a Sebastião Patrus de Souza, a “Estadual”, encravada no alto do morro (onde parece que todo mundo estudou – e realmente há nos vastos arquivos “provas” dessa impossibilidade estatística), e da Avenida (a Rui Barbosa), que passa pelo Cemitério Parque da Saudade e desemboca não se sabe onde.

No entanto, não é por isso que o Tupi tem a alcunha de “Fantasma do Mineirão” – e sim por conta das vitórias sobre os times da capital, no primeiro aniversário do outrora chamado estádio “Gigante da Pampulha”; e não é por isso que Ângela Maria era um dos fantasmas carijós – muito antes pelo contrário: ele nada tinha de fantasmagórico, era de uma vivacidade absurda e contagiante.

Ângela Maria era um dos fantasmas carijós no sentido de que pairava sobre todos os momentos da História do Tupi, marcava presença como se cravasse um lugar eterno.

Em todos os estádios em que o Tupi jogou, a partir da década de 70, século passado, Ângela Maria produziu histórias. No Salles Oliveira, a luz do dia, foram várias. A mais famosa, a briga com Éder Aleixo, o craque do Atlético e da seleção brasileira. Toda a cidade conhece o entrevero, que, por conta desse amplo conhecimento, ganhou ares de lenda, com suas múltiplas versões. Ele mesmo me contou, aos risos, o resumo da versão oficial: alguém da segurança do Tupi permitiu que ele adentrasse o gramado após o jogo e ele saiu no tapa com Éder. Conto o que vi, ou o que me lembro (“A vida não é o que se viveu, mas sim o que se lembra, e como se lembra de contar isso”, disse, certa vez, Gabriel García Márquez, e me alerta, sempre, Glaucia Alves): entre o gramado do Salles Oliveira e os vestiários havia um corredor, protegido por grades vazadas e onde era possível, com a devida ousadia e desprendimento, xingar os jogadores adversários, bem de perto. Ângela Maria fez isso, em direção a Éder, mas, inadvertidamente, segurou na tela. Eder percebeu os dedos desprotegidos de Ângela Maria e os apertou com força. Ângela Maria gritou de dor, mas respondeu com uma cusparada na cara do craque atleticano.

O incidente ficou como o mais famoso, mas com um grau de violência incompatível com o que viria depois, quando o Tupi passou a jogar no Estádio Municipal, que era bastante seguro, para os torcedores locais e os adversários. Lá, no Radialista Mário Helênio, Ângela Maria preferia seguir seu lado carnavalesco e bastante divertido. Em jogos menores gostava de provocar a torcida visitante, formada apenas e tão somente por parentes dos atletas de fora; em jogos maiores preferia, poucos minutos antes do apito inicial, “desfilar”, a partir do topo da arquibancada – nestes momentos era saudado com gritos de júbilo, mas também com galhofas que hoje seriam consideradas homofóbicas.

Ângela Maria nunca se importou. Como foi dito, ele pairava sobre todos, como um fantasma.