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Todo mundo de ressaca

A palavra ressaca deve ser bastante usada nesta segunda-feira. Tem gente gelando a cerveja pra comemorar a vitória do Lula no primeiro turno (embora a cachaça seja mais coerente), outros, mais prudentes, se preparando pra guerra do segundo turno. É um plebiscito, situação em que um segundo turno não deve ser diferente. Isso se os debates, sobretudo o último, forem levados em conta: no “todo mundo contra o Lula”, o que menos se ouviu foram propostas. Embora todos tenham agora contato de um padre pra próxima festa junina.

Ressaca é um substantivo feminino que tem, segundo o Houaiss, quatro significados. O primeiro deles é marítimo, e tem relação direta com a origem do termo, que chegou nas Américas junto com Colombo, em 1492. Diz respeito ao “forte movimento das ondas sobre si mesmas, resultante de mar muito agitado, quando se chocam contra obstáculos no litoral.” Como uma campanha eleitoral acirrada ou uma rinha de galos de briga (o debate já foi comentado).

O segundo significado se liga aos exemplos do primeiro: “mal-estar causado pela ingestão de bebidas alcoólicas”. Uma das frases que mais circulou pelas redes sociais nos últimos anos foi “o Brasil obriga a beber”. A isso se soma a recomendação da OMS pro uso de álcool no combate à Covid-19, o que gera pessoas capazes de sobreviver sem um adoecimento grave demais. Por grave demais entenda-se pegar em armas, apontadas pra onde quer que sejam, porque doentes de Brasil estamos faz tempo, como atestou Eliane Brum.

Se os beberrões de esquerda ou apoiadores da democracia (mesmo os da direita) tomarão um porre com uma vitória do Lula, os mais prudentes ou abstêmios (imigrantes recentes, só pode) também acordarão, ou amanhecerão, de ressaca na segunda-feira. A palavra também se refere ao “mal-estar produzido por uma noite passada em claro”, o que certamente acontece aos conscientes, aos preocupados, aos altruístas e mesmo aos egoístas sensatos que acompanharam o resultado das eleições de 2018.

Aqui em Juiz de Fora circulou o áudio de um cidadão de bem chamando um semelhante pra descer a Floriano e pegar as travestis. Pegar no sentido de porrada, não de pegação. Na parte baixa da Rua Floriano Peixoto, além das várias trabalhadoras do sexo, existia na época um outro local de balbúrdia: OAndarDeBaixo, um espaço de promoção cultural em que estava sendo realizado um espetáculo naquela noite, em que a protagonista era justamente uma travesti.

Ligações, trocas de mensagens, tensão no ar até que um dos sócios no espaço mandou a mensagem: suspendemos o espetáculo, alertamos as meninas na rua pra saírem dali. Elas disseram que iam ficar.

Elas sobreviveram. O teatro sobreviveu. Alguns espaços culturais sobreviveram. A saúde está em frangalhos. O SUS também, mas a saúde do Brasil em geral. Falta ao país um porto seguro pra amparar as ondas e a eleição de 2018 assegurou a ressaca deflagrada com o golpe de 2016, clara no quarto significado do dicionário: “inconstância, volubilidade”.

Foram anos olhando pra pessoas, carros, casas, pseudo-amigos e pensando: será? Será que apoiou ou golpe? Será que apoiou o Bozo? Será que não entendeu o que houve? Será que continua assim? Será que será que será que será?

Que uma vitória de Lula no primeiro turno nos traga a ressaca no sentido mais conhecido, a que faz buscar água e evitar a luz forte no dia seguinte. Da outra, ou das outras ressacas, estamos fartos diariamente. Na etimologia, a ressaca é o retorno da onda, a saca. Se a onda vermelha funciona (sacou?), a gente tem esperança de, nos próximos anos, deixar de ter o re-saco cheio.