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Brasil é condenado na Corte Interamericana pela morte de Gabriel Pimenta

Gabriel Pimenta foi jurado de morte e assassinado após conseguir cassar uma liminar e reverter o despejo de famílias de trabalhadores rurais (Foto: Reprodução)

A Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o estado brasileiro nesta terça-feira (4) pela omissão em proteger os defensores dos direitos humanos, bem como investigar casos de violência contra eles, ao analisar o caso do ativista de Juiz de Fora Gabriel Sales Pimenta.

A sentença é um marco histórico após 40 anos de impunidade. A Corte Interamericana entendeu que houve uma “grave falência” do estado brasileiro nas investigações sobre a morte violenta de Gabriel Sales Pimenta “pela situação de absoluta impunidade em que se encontra o homicídio na atualidade”.

Conforme os juízes, o Brasil “não cumpriu sua obrigação de atuar com a devida diligência reforçada na investigação do homicídio”. A grave negligência dos operadores judiciais na tramitação do processo penal, que permitiu a ocorrência da prescrição, foi o fator determinante para que o caso permanecesse em uma situação de absoluta impunidade.

Gabriel Sales Pimenta foi assassinado às 22h30 do dia 18 de julho de 1982 em Marabá, no sudeste do Pará, por Manoel Cardoso Neto, conhecido Nelito, José Pereira da Nóbrega, vulgo Marinheiro, e Crescêncio Oliveira de Sousa. Os três foram indiciados pela polícia e denunciados pelo Ministério Público por homicídio qualificado.

O julgamento se arrastou por duas décadas. Nenhum deles chegou a ser levado a júri popular. Nenhum deles cumpriu pena. Isso mesmo considerando que, quatro dias depois do crime, o delegado responsável pelo inquérito identificou dois dos envolvidos e, um ano depois, o Ministério Público ofereceu a denúncia penal contra os três autores por homicídio qualificado.

Em novembro de 1999, o Ministério Público solicitou a extinção da responsabilidade penal de um dos acusados, em virtude de sua morte, e a improcedência da denúncia contra outro dos suspeitos, por falta de provas. Restou, então, apenas um réu. O julgamento no Tribunal do Júri foi marcado para o dia 23 de maio de 2002, mas não ocorreu porque o réu não foi localizado.

Em 6 de março de 2006, o acusado informou que estava residindo em Brumado, na Bahia. A Polícia Federal conseguiu cumprir a ordem de prisão preventiva e foi marcado o julgamento para o dia 27 de abril. Antes, no dia 10, os advogados do acusado impetraram um Habeas Corpus no Tribunal de Justiça do Pará para pedir que se decretasse a prisão domiciliar ou a extinção da responsabilidade penal com base na prescrição.

O Ministério Público se manifestou a favor da prescrição, mas em 2 de maio o pedido de extinção da responsabilidade penal foi negado pelo juiz de primeira instância da Vara Penal de Marabá. Seis dias depois, no entanto, as Câmaras Criminais Reunidas do Tribunal de Justiça do Pará declararam extinta a punibilidade.

Em 2007, o professor e advogado Rafael Sales Pimenta, irmão de Gabriel Sales Pimenta, recorreu ao Conselho Nacional de Justiça com uma reclamação por excesso de prazo no processo penal. O expediente foi arquivado. A família tentou uma ação por danos morais junto ao Estado do Pará alegando demora na tramitação do processo penal e a conseguinte impunidade do homicídio. Mas o recurso foi negado.

Em razão de tantas violações, Corte Interamericana de Direitos Humanos determinou as seguintes medidas de reparação (íntegra da sentença aqui):

(1) criar um grupo de trabalho com a finalidade de identificar as causas e circunstâncias geradoras da impunidade e elaborar linhas de ação que permitam superá-las;

(2) publicar o resumo oficial da Sentença no Diário Oficial da União, no Diário Oficial do Estado do Pará e em um jornal de grande circulação nacional, assim como a Sentença, na íntegra, no sítio web do Governo Federal, do Ministério Público e do Poder Judiciário do Estado do Pará;

(3) realizar um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional em relação com os fatos do presente caso;

(4) criar um espaço público de memória na cidade de Belo Horizonte, no qual seja valorizado, protegido e resguardado o ativismo das pessoas defensoras de direitos humanos no Brasil, entre eles o de Gabriel Sales Pimenta;

(5) criar e implementar um protocolo para a investigação dos delitos cometidos contra pessoas defensoras de direitos humanos;

(6) revisar e adequar seus mecanismos existentes, em particular o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas, nos âmbitos federal e estadual, para que seja previsto e regulamentado através de uma lei ordinária e tenha em consideração os riscos inerentes à atividade de defesa dos direitos humanos;

(7) pagar as quantias fixadas na sentença a título de dano material, imaterial, custas e gastos.

Marco na luta pela defesa dos defensores de direitos humanos

Helena Rocha, codiretora do programa para o Brasil e Cone Sul do CEJIL (Centro pela Justiça e o Direito Internacional), organização que levou o caso ao Sistema Interamericano juntamente com a CPT (Comissão Pastoral da Terra), expressou: “essa sentença confirma o que vários órgãos internacionais têm afirmando sobre o grave cenário de violência sistemática contra pessoas defensoras de direitos humanos no Brasil e atribui ao Estado uma responsabilidade agravada de protegê-las e de investigar qualquer ato ou ameaça que venha a ser sofrido por elas. Para isso é fundamental desenvolver instrumentos de enfrentamento à impunidade estrutural de esses casos e promover políticas públicas efetivas para sua proteção”.

Paralelamente, José Batista, advogado da CPT em Marabá declarou:  “a sentença da mais alta corte de Direitos Humanos das Américas, condenando o Estado Brasileiro por não proteger,  não investigar  e nem punir os responsáveis pelo assassinato do Advogado Gabriel Pimenta, tem um peso histórico e um valor simbólico muito grande para os camponeses e sus lideranças, que fazem a luta pelo acesso e premência na terra no Brasil. Reforça ainda a luta das entidades de defesa de direitos humanos pela defesa da vida, contra a violência e a impunidade dos crimes que ocorrem no campo”.

O irmão do Gabriel, Rafael Sales Pimenta, concluiu: “Passados quarenta anos do crime contra o Gabriel, perpetrado por representantes do latifúndio, dos madeireiros e dos mineradores, que até hoje dominam o Brasil, a condenação da Corte Interamericana contra o Estado brasileiro foi um marco muito importante na luta pela defesa dos defensores de direitos humanos. Gabriel era um advogado de direitos humanos, um advogado dos trabalhadores sem-terra e da população desassistida pelo Estado brasileiro. É uma vitória do Gabriel, é uma vitória dos direitos humanos e é uma vitória do povo brasileiro”.

* Com informações do CEJIL.