Primeiro é preciso explicar o contexto. A Praça da Estação de Juiz de Fora é historicamente um espaço de grandes comícios. Recebeu tantos políticos em palanques quanto o restaurante Faisão Dourado seus militantes. Estar na Praça da Estação de Juiz de Fora durante uma campanha presidencial é historicamente indispensável.
Também histórica é a tradição política da cidade, que subiu e desceu o Calçadão até a Praça da Estação e nas paredes do restaurante mencionado deixou fotos e assinaturas. Políticos, artistas, famosos de diferentes épocas foram comensais por ali e se deixaram registrar. Depois o restaurante acabou, nas mãos do Omar Peres, que felizmente não assumiu a prefeitura da cidade.
Da Praça ao Faisão era um pulo, poucos metros, minutos de caminhada. O que não aconteceu com as visitas dos presidenciáveis esta semana na cidade, por três motivos:
1 – o Faisão Dourado não existe mais, motivo óbvio;
2 – o Bolsonaro não fez caminhada;
3 – a caminhada do Lula demoraria muito tempo pra chegar lá.
O 1 já tá explicado, o 2 precisa de detalhes.
Depois de uma rapidinha do imbrochável pela Praça da Estação, seu séquito mugente seguiu cabisbaixo Rua Halfeld acima, tendo como único estímulo para o debate os hippies em frente ao Banco do Brasil que gritavam “aqui é Lula!” ou “vai pra casa, gado!”, entre músicas e argumentos que não foram rebatidos pelos cidadãos de bem isolados em suas bolhas embandeiradas.
Os caras gritavam mesmo, com força, vontade, decisão. Do outro lado não havia isso ou mesmo argumento pra conversa. Atmosfera agravada pela flopagem da passagem do mito pelo palco da democracia da Atenas Mineira.
Este nome, cunhado por Arthur Azevedo, marcava a cidade como espaço de pensadores, referência para intelectuais de todo o estado. Isso se deve ao desenvolvimento acadêmico, hoje tendo como referência a UFJF; à vanguarda artística, com destaques em várias linguagens culturais; ao fato de Bolsonaro ter ganhado de Lula em apenas quatro bairros da cidade.
Quando o porteiro acha um absurdo essas pesquisas, explica: “no meu bairro, lá onde eu voto, o Lula ganhou de muito do Bolsonaro. Onde eu vejo tá assim. Tem alguma coisa errada em outro lugar.” É, o porteiro disse o óbvio.
E o Lula, que também passou por Juiz de Fora hoje (dia da escrita do texto), reforçou o óbvio. Antes, explicando o item 3 ali de cima, ele disse o óbvio para tanta gente que demorou mais do que o planejado para percorrer uma avenida e chegar até a Praça da Estação.
O discurso do Bolsonaro, na terça, não deu tempo de gravar. Quando o gravador foi ligado ele já tinha acabado. Tanto melhor, ou seriam mais registros de falas insólitas, enfraquecedoras do debate político, desqualificadoras do Brasil enquanto nação. O que vale como registro importante da terça-feira é o tempo bom, com brisa agradável e circulando entre os que estavam na Praça.
Hoje choveu. Céu piscou, noite chegou mais cedo, água desceu do céu. São Pedro tava que tava no exagero, queria mesmo participar, mas teve que ficar olhando de cima. O ar não circulava entre os que cantavam Lula-lá, as bandeiras cobriam o céu fechado e ninguém via o chão molhado se olhasse de cima.
Quando chegou ao palanque, Lula falou como se estivesse em casa. Numa casa em que discursou tantas vezes desde 1989, numa casa em que recebia respostas às verdades que proferia.
Lula falou que educação é para todos e que universidades precisam de investimento (a prefeita-reitora aplaudiu efusivamente ao lado dele), explicou que a mulher precisa ter a mesma presença do homem no mercado e o homem precisa aprender a fazer o que a mulher faz em casa pra ela poder sair, contou que empresas precisam investir no produto brasileiro e não comprar nossas empresas, falou que branco superior é discurso, não realidade, porque numa sociedade justa somos todos iguais. Tudo óbvio, óbvio demais.
Votar em Lula, é óbvio.