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Colunas

A vaca e a manada

Fosse este um texto poético, talvez começasse com as palavras de Caetano Veloso para Gal Costa:

Respeito muito minhas lágrimas

Mas ainda mais minha risada

Escrevo, assim, minhas palavras

Na voz de uma mulher sagrada

É, no entanto, uma prosa, que vai antes ao teatro dizer que foi Gal quem ensinou os jovens do Entremez a cantar Édipo. Quanta insanidade! – diria o alheio – Como pode Gal cantar Édipo!?

Pois se quase quatro décadas antes ensinou o Grupo Divulgação a fazer a Noite de Valpurges do Fausto, de Goethe, como não poderia cantar Édipo?

Pois cantou. Cabe antes ao professor explicar o que é Entremez.

A oficina nasceu no Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora (hoje Centro Universitário Academia) em 2012. Ali se faz teatro, no verbo e na ação, com exercícios de corpo e voz, improviso e integração, jogos dramáticos, leitura e encenação. A cada semestre, uma cena de até 15 minutos é montada, sempre com tendência cômica, sempre com olhar político.

Para comemorar dez anos, veio Édipo. Não um Édipo com pinta de rei, mas com voz de berrante. Depois de o coro abrir a cena com mais de 20 estudantes e mostrar o Brasil de 2022, as falas de O herói, de Caetano, culminam no canto do governante:

Eu sou o herói

Só Deus e eu sabemos como dói

A trilha de Caetano (que conta ainda com trechos de Sampa e Podres Poderes) ganha força na voz de Jocasta em sua estola vermelha. Do coro a aclamá-la vem o constante pedido:

Derrama o leite bom na minha cara

E o leite mau na cara dos caretas

Gal Costa, a dona de divinas tetas que pediu ao Brasil para mostrar sua cara, viu o leite bom, sem tempo do leite mau na cara dos caretas, que há de ser derramado em breve. Correu pela internet esta semana foto dela com o Lula. Como tantos ou quase todos os artistas (pelo menos os conscientes do que é fazer arte no Brasil), estava ela ao lado dele. Ela, que não se furtava ao bom combate, deixa agora uma força estranha no ar.

Vaca profana, põe teus cornos

Pra fora e acima da manada

Talvez seja um pouco do Thelonious Monk’s blues, sentido por muitos, entendido por poucos. Mas baby, baby, eu sei que é assim. Ou não.

Mais assertivo foi o Luiz Antônio Simas ao nos ensinar o caminho, como bom professor: “Aviso logo que não darei a menor pelota para essa maluquice da morte da Gal. De onde tiraram essa ideia estapafúrdia de que ela morreu? Eu, por exemplo, estou escutando Gal cantar agora; como os netos dos netos dos nossos netos escutarão.”