Diversidade

Comenda Halfeld em homenagem à memória de Rosa Cabinda será entregue em 2023

A conquista da carta de liberdade por Rosa Cabinda, escravizada pela família do comendador Henrique Guilherme Fernando Halfeld, completará 150 anos em 2023. Nesse mesmo ano, sua memória será reverenciada por meio da outorga da maior honraria de Juiz de Fora, a Comenda…. Henrique Guilherme Fernando Halfeld.

Prevista para acontecer em maio deste ano, quando se comemora o aniversário do município, a homenagem a Rosa Cabinda acabou sendo adiada por conta da polêmica criada pelo fato de a distinção carregar o nome do seu escravizador. Entidades, movimentos e pesquisadores se manifestaram contrários à iniciativa.

Em carta aberta à Prefeitura de Juiz de Fora, os signatários recorreram à prefeita Margarida Salomão (PT) para impedir a homenagem que, embora “bem-intencionada”, “trata-se de um equívoco”. Para os signatários do documento, o fato de a comenda levar o nome de “seu algoz, seu escravizador” implicaria em “submeter a memória (de Rosa Cabinda) a uma nova violência”.

Na véspera da entrega da homenagem, a Prefeitura de Juiz de Fora divulgou uma nota propondo ao conselho responsável pela indicação dos homenageados que a outorga da comenda a Rosa Cabinda fosse adiada para novembro, como forma de a “controvérsia” ser mais bem debatida. O nome de Rosa Cabinda foi então retirado da lista de homenageados.

No mês seguinte, foi instituído o “Fórum de Debates Rosa Cabinda” com a finalidade de aprofundar as discussões sobre a “controvérsia”. No último mês de agosto, o colegiado foi concluído com a posse dos representantes da sociedade civil, e os trabalhos iniciados.

Embora o prazo solicitado no pedido de adiamento da outorga da comenda a Rosa Cabinda terminasse em novembro, a questão esteve fora da programação do Novembro Negro realizado no município. Questionada, na última segunda-feira (28), quanto ao desfecho da situação, a Prefeitura de Juiz de Fora preferiu não se pronunciar.

Paulo Azarias, Movimento Negro Unificado em Juiz de Fora, que integra o Fórum de Debates Rosa Cabinda, informou, no entanto, que a decisão do colegiado será pela outorga da comenda a Rosa Cabinda em 2023. A informação foi confirmada por outros membros do grupo. Uma reunião na próxima semana deve encerrar os trabalhos do colegiado e apresentar o resultado.

Quando a polêmica surgiu em maio deste ano, o Movimento Negro Unificado e a União de Negros e Negras de Juiz de Fora apoiaram a outorga da comenda a Rosa Cabinda como “momento de ressignificar a história de nosso povo, fazendo com que parte dessa trajetória seja conhecida por toda a população, e dessa maneira reforçar a nossa luta por reparações”.

Eles defenderam o maior conhecimento da história de resistência dos negros e consideraram a iniciativa como a vitória de Rosa sobre a história hegemônica. “Simbolicamente através da comenda, Henrique Halfeld é obrigado a reconhecer a força e a grandeza de Rosa Cabinda, que traz para a atualidade o debate necessário das reparações de nossa ancestralidade”.

O preço da liberdade

Consta no inventário post mortem de Dona Cândida Maria Carlota, esposa do Comendador Henrique Guilherme Fernando Halfeld, falecida em 1867, o desejo de Maria Luisa da Cunha Halfeld, uma das herdeiras, de libertar o escravizado recém-nascido Benjamin, avaliado em 80 mil réis. Ele era filho da escrava Benedicta, crioula, de 18 anos, e neto de Rosa Cabinda, aleijada, 38 anos, avaliada em 400 mil réis. Em agosto de 1868, foi lavrado o termo de declaração de liberdade de Benjamin.

Três anos depois, em 1871, a Lei Rio Branco ou Lei do Ventre Livre determinava que os filhos de mulheres escravizadas nascidos a partir daquela data ficariam livres. Também garantia alforria ao escravo apto a pagar seu valor em dinheiro ao seu proprietário. Havendo recusa da negociação, o escravo poderia depositar a quantia em juízo. A Justiça providenciaria nova avaliação e, caso esta correspondesse “ao valor depositado, o cativo teria direito à manumissão”.

Assim, em 1873, Rosa Cabinda ofereceu ao seu senhor, o Comendador Henrique Halfeld, a quantia de 300 mil réis por sua liberdade. Seu argumento, segundo a professora e pesquisadora Elione Guimarães, foi de que, como já havia se passado algum tempo desde que fora avaliada em 400 mil réis, era natural que houvesse desvalorização. A proposta, no entanto, foi recusada. O proprietário argumentou que não lhe interessava desfazer-se da cativa e que ela valia mais do que os 400 mil réis.

Rosa recorreu à Justiça, provavelmente amparada por alguns dos filhos de Halfeld, que estavam com relações estremecidas com o pai, explica a pesquisadora. Nova análise do inventário comprovou a avaliação da cativa em 400 mil réis. O comendador recorreu, alegando que, “apesar do defeito físico, ela era excelente doméstica, eficiente nos serviços e hábil mucama”. No entanto, a Justiça manteve a avaliação em 300 mil réis, e Rosa conquistou sua carta de liberdade.