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O VAR só existe para atrapalhar

Quem inventou o VAR, o tal do vídeo que auxilia as arbitragens de futebol, nunca foi a um estádio. Quem vai sabe: quando o atacante do seu time recebe uma bola em profundidade, a primeira ação é se levantar para acompanhar o lance; depois olha-se para o bandeirinha (que decide pela continuidade da jogada) e, ato contínuo, para o árbitro (que invariavelmente acompanha a decisão do seu auxiliar). E pronto: se a jogada continua, depende apenas do jogador do seu time, se ele faz o gol ou não. E se a bola chega às redes, basta olhar o dedo do árbitro apontado para o centro do campo e acabou, não há mais espaço para contestação – só para as ricas discussões posteriores.

Com o VAR isso tudo acabou. A tecnologia congelou a emoção, criou um suspense estranho e, em muitos casos, uma comemoração pela metade – e derruba grandes jogadas: o gol de Vinicius Júnior contra a Suíça surgiu depois que Richarlison, mesmo impedido (de tal forma, por um detalhe, que nenhum helvético haveria de reclamar), deu um toque genial na bola, ainda que sofrendo a pressão (faltosa) do zagueiro. Vinicius Junior fez o gol, comemorou, gastou-se o estoque de estatísticas, para nada.

Pior aconteceu com Camarões, no jogo contra a Sérvia. O atacante Aboubakar entrou livre, deu um corte no zagueiro com requintes de crueldade e diante do goleiro levantou a bola, com leveza e precisão. Golaço! Só que ao invés de comemorar ele ficou constrangido – e mais ainda, estranhamente, quando o VAR confirmou o gol, como se a tecnologia tivesse permitido a ele somente metade da glória.

Os defensores do VAR argumentam que o sistema garante a lisura do jogo (o que não é de todo verdade: o árbitro de vídeo, por exemplo, prejudicou o Uruguai no jogo contra Portugal, marcando aquele pênalti fora das regras), mas o certo é que com o VAR não teríamos, outro exemplo, a “mão de Deus” de Maradona. Se os ingleses tivessem inventado o VAR junto com o futebol não teriam sofrido a injustiça do gol de mão em 1986, mas também não teriam sido campeões mundiais, em 1966, já que no terceiro gol da decisão daquela Copa a bola não ultrapassou a linha – ou seja, a História perderia.

Alguns críticos do VAR poderiam usar conceitos filosóficos, de que a vida e as decisões que tomamos geralmente não permitem revisões e coisas do tipo, mas não. Alguns lembram, não se sabe bem o motivo, de uma entrevista com o grande crítico de cinema Alex Viany. Perguntado se ele se arrependia de alguma coisa disse: “De ter sido, nas críticas, muito duro com as Chanchadas”. A razão? “Claro que Glauber Rocha é genial, que o Cinema Novo é muito inteligente, mas não ter se interessado também por Oscarito e Grande Otelo fez a minha vida ser bem mais chata”.