Reza a lenda que Garrincha não tinha a mínima ideia da importância de uma Copa do Mundo. Em 1958, na Suécia, na véspera do jogo decisivo contra a então União Soviética, vendo a aflição dos companheiros, tentou tranquiliza-los: “Deixa estar. Se não der certo hoje a gente ganha deles no returno”. Alertado, com desespero, pelos colegas, de que não haveria segundo turno, Garrincha respondeu: “Que torneio mixuruca que nem returno tem”.
Conta a literatura que o Conde Drácula chegou a Londres, em busca do amor eterno, por estradas próximas a White Hart Lane, onde fica o estádio do Tottenham Hotspur, um dos clubes mais tradicionais da capital londrina. O Tottenham é um grande time, embora muito azarado, e tem entre seus fãs o escritor Salman Rushdie, autor de “Versos Satânicos” e de um conto genial sobre a sua paixão pelos Spurs.
Porém, o Tottenham não ganha nada. Só venceu o campeonato inglês duas vezes, em 1951 e 1961, mas isso não diminui em nada seu prestígio, charme e a legião de adeptos.
No Tottenham jogam os ingleses Harry Kane e Eric Dier, o francês Hugo Lloris, o sul-coreano Son, o brasileiro Richarlison, o uruguaio Bentancur, o argentino Romero e o croata Perisic – para citar apenas os que disputaram a Copa de 2022. E por lá já atuaram os ingleses Lineker e Gascoigne, o croata Modric, o argentino Ardiles, o galês Gareth Bale e o dinamarquês Eriksen.
O atacante Kane e o goleiro Lloris, que protagonizaram o lance mais dramático da Copa até agora, estão no Tottenham há anos, sem aparentemente nenhuma intenção de sair – em busca de títulos, talvez.
Kane parece carregar consigo os azares do Tottenham. Na Copa da Rússia/2018 foi o artilheiro, mas perdeu um gol inacreditável na semifinal contra a Croácia, quando os ingleses já venciam por 1 a 0 – antes, portanto, de levarem a virada e perderem a chance de fazer a final. Agora, teve a oportunidade de empatar o jogo de quartas-de-final contra a França, mas chutou o pênalti na arquibancada.
Impossível não lembrar do infortúnio de outro craque, em outra Copa: Roberto Baggio, em 1994, nos Estados Unidos. O que o italiano fez nas partidas contra Nigéria, Espanha e Bulgária foi assombroso e não merecia ter chutado nas nuvens o pênalti decisivo, contra o Brasil.
Kane, Baggio e até a União Soviética (enfim derrotada no jogo desprezado por Garrincha) mereciam a revanche, o returno.
Mas, dirão os realistas que Copa é assim mesmo: um torneio de “tiro curto”, eliminatório – e esse seria o verdadeiro teste para as grandes seleções. E que o torneio nunca foi, nem será, mixuruca, pois, afinal, toda Copa tem um Marrocos.
De fato. Mas, por outros motivos. Além do talento, determinação e forte defesa Marrocos foi longe na Copa por razões místicas, ao dominar as seleções da Península Ibérica, como fizeram seus antepassados há mais de 500 anos. E nada foi mais simbólico que o fato de Cristiano Ronaldo ter acabado seu reinado contra Marrocos, pois foi em Alcácer-Quibir, em terras marroquinas, que Sebastião, o Rei Menino, desapareceu, deixando para trás apenas a lenda de que voltaria para liderar os lusos em mais conquistas ultramarinas – e futebolísticas.