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O que Pelé não fez

Na estreia da Copa do Mundo de 1970, contra a então Tchecoslováquia, o jogo estava empatado em 1 a 1, quando uma bola espirrada veio em direção a Pelé, que estava dentro do grande círculo que divide o gramado. O já Rei do Futebol e futuro Atleta do Século recolheu a bola com uma certa displicência, e poderia ter iniciado o contra-ataque, pelas laterais (com Carlos Alberto Torres ou Everaldo, que avançavam) ou pelas pontas (com Jairzinho ou Rivelino, que já se posicionavam para receber o passe). Porém, Pelé percebeu o goleiro adversário adiantado e chutou a gol…do meio-de-campo. A bola viajou míseros segundos mas nunca, jamais, em tempo algum, houve um suspense tão extraordinário em torno do destino de uma bola. Só uma pessoa torceu contra: o goleiro tcheco, que aparvalhado como um personagem dos filmes de Jiří Menzel retrocedeu em desespero até perceber que Pelé tinha errado o alvo.

No segundo jogo daquela Copa, contra a Inglaterra, Jairzinho conseguiu se livrar do marcador e lançou a bola para a área, com força e muito alta. Porém, Pelé subiu e alcançou a pelota com uma cabeçada portentosa – de uma maneira que até hoje se convencionou chamar de “cabeçada de almanaque”: para o chão, eliminando qualquer chance de defesa. Banks, o goleiro inglês, pulou por pular mas milagrosamente evitou o gol. Levantou-se com o aspecto cínico de integrante do “Monty Python”, mas não por soberba: por saber que contrariou, naquele lance, o desejo dos Deuses do Futebol e até do Deus único.

Na semifinal da mesma Copa, contra o Uruguai, Tostão enfiou uma bola em diagonal, em direção a Pelé. Não se sabe, até hoje, o motivo que levou o grande goleiro Mazurkiewicz a sair da meta e ir em direção a Pelé, que o enganou ao passar pela bola, para pega-la do outro lado. Feito isso, concluiu a jogada, mas rente à trave. Tal qual o personagem do filme uruguaio “Whisky”, Mazurkiewicz ficou tão atordoado que no lance seguinte bateu o tiro de meta em direção a Pelé, como se quisesse dizer: “Faz agora o gol que não fez”.

Todo o resto, incluindo 1.282 gols, Pelé fez. E só ele, mais ninguém, usou a bola com “malícia e atenção, dando aos pés astúcia de mãos”.