Passei a segunda após os ataques golpistas em Brasília desconcentrada, sem foco, sem conseguir estudar, escrever, fazer qualquer coisa academicamente produtiva . (Afinal, foi isso que vim fazer aqui em Portugal, embora esteja disponível para transporte das primeiras levas da devolução de nosso ouro). Caía sempre em algum site de notícias para ver se tinha mais alguma novidade, quem tinha se pronunciado, como estava a situação no Brasil.
Por fim, decidi dar uma voltinha e fui cair numa arruada de São Gonçalinho, padroeiro de Aveiro, cidade onde moro. Era uma mistura de bloco de carnaval, procissão e banda de rua, com gente bebendo e louvando o santo pelas ruas. E sim, é o mesmo São Gonçalo que conhecemos no Brasil, chamado carinhosamente no diminutivo pelos aveirenses. O doce típico da festa, à base de farinha e açúcar de confeiteiro, vem num formato sobre o qual o nome não deixa qualquer dúvida: “colhões de São Gonçalinho”.“Um acompanhamento perfeito para a mamadeira de piro…” Pronto, já iam meus pensamentos se embrenhando no fascimo à brasileira novamente.
No dia seguinte, consegui alguma concentração para render nos estudos. Em primeiro lugar porque, como eu esperava, Lula teve uma postura irretocável de estadista, com seu tino acertado para ações não só efetivas, mas simbólicas. O homem despachou do Planalto completamente destruído, e aquela subida da rampa com os governadores estampou jornais no mundo inteiro. O véio sabe fazer e mandar recado. Brilhante.
Mas parte do meu rendimento também veio também da lembrança do primeiro orientador que eu tive, no comecinho da minha trajetória acadêmica. O professor Chico Pimenta tem várias frases emblemáticas (acadêmicas ou não), das quais me lembro sempre. Naquele dia, pra que eu retomasse minhas atividades, precisava tirar meu pensamento da gente tacanha, vil e – como infelizmente pudemos ver- porca que destroçou o Planalto, o STF e o Congresso.
Eu queria entender o que se passa na cabeça desse povo, o que se pensava que ia acontecer depois que eles, por exemplo, defecassem nos móveis de um órgão público e depredassem obras de arte que são patrimônio do país, do povo. Isso tudo enquanto registravam, de seus próprios telefones. “Deve ser um pessoal muito burro, privilegiado e mau-caráter, só pode ser”, pensava. Mas acostumada a duvidar de qualquer certeza por teimosia e razões profissionais, ficava me questionando: “Será que não tem um roteiro mais elaborado por trás disso? Uma grande lavagem cerebral? Uma abdução alienígena? Um experimento científico? A gravação de um filme?”.
Nunca me esqueço de que, em uma orientação, o Chico me apresentou ao conceito de Navalha de Occam. Dito de maneira simples, é um princípio científico e filosófico que propõe que, entre hipóteses formuladas sobre as mesmas evidências, é mais racional acreditar na mais simples. Ou seja: diante de várias explicações para um problema, a mais simples tende a ser a mais correta. Batata!
“Deve ser um pessoal muito burro, privilegiado e mau-caráter, só pode ser”, voltei a pensar. Navalha de Occam.