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Obrigado, Pelé! Jair, estava na hora…

O ano finaliza com uma mescla de sentimentos que tomam o espírito da grande maioria dos brasileiros: um, efusivo, alegre, cheio de esperança pelo fim do governo Bolsonaro e a retomada no país da sanidade política; outro, saudoso, agradecido e reminiscente em decorrência da morte do maior atleta vivo de todos os tempos. Pelé é reverenciado mundialmente e foi justamente durante sua trajetória futebolística que o Brasil foi projetado ao mundo como país do futebol. Sua morte causou comoção não só entre a imprensa esportiva e de jogadores em todo o mundo, mas também entre chefes de Estado, lideranças religiosas e personalidades das mais diversas.

Do outro lado, o reverso da moeda. Um presidente da República em fim de mandato que, para muitos, empreende fuga covarde do país para não correr o risco de ser enquadrado pela justiça imediatamente após a perda do foro privilegiado, no dia 1º de janeiro. Há quem diga que foge para escapar dos crimes que lhes são imputados e não ser preso.

Bolsonaro e Pelé, duas personalidades opostas, que, por circunstâncias distintas neste fim de ano, elevaram as atenções dos brasileiros e do mundo. Do ser desprezado ao reverenciado cujas biografias explicam com exatidão o porquê de tratamentos tão diferenciados, tanto pelos brasileiros quanto pela comunidade internacional.  

Pelé foi o maior embaixador do Brasil, passaporte para os brasileiros em qualquer lugar dos quatro cantos do mundo. Quantas relatos devem existir de conterrâneos, certos de terem recebido tratamento mais lisonjeiro fora do país pelo simples fato de vestir a camisa verde e amarela com o nome do Rei estampado nas costas, ou quando indagados de onde eram, responderem: “sou do Brasil, de Pelé!”. Esse respeito e reverência não existiu pelo mandatário do país nestes últimos quatro anos. Pelo contrário, sob seu comando nossa diplomacia tão respeitada foi posta no limbo e o país rebaixado à condição de persona non grata nas relações exteriores.

Pelé fez do futebol um meio de conciliação, utilizou sua imagem como significado de unidade entre povos dentro e fora de campo. Um atleta negro de status universal, eternizado pelas jogadas genais, dribles desconcertantes e gols magníficos. Lembramos até mesmo daqueles que ele perdeu. Vossa Majestade foi capaz de apaziguar conflitos e paralisar uma guerrilha porque todos queriam ver o Santos jogar, assistir o cortejo real e seu soberano desfilar em campo.

O jogador que ao fazer seus mil gols no palco maior do futebol lembrou dos pobres e das crianças. Lamentava não ter sido ouvido ao longo das décadas pelos governos que pouco avançaram na promoção da dignidade humana aos mais necessitados e carentes. Viveu ainda para assistir o ápice do desprezo às crianças e aos pobres nestes últimos quatro anos, com cortes sistemáticos nas verbas de merenda escolar, farmácia popular, abandono das políticas públicas de proteção social e descaso criminoso com a saúde e educação.    

Em 1979, quase 140 mil torcedores se aglomeram no maior palco do futebol, o Maracanã, para presenciar Pelé envergar por uma única vez o manto sagrado rubro-negro. Junto com Zico, Júnior e companhia atuou com a 10 do Flamengo em jogo beneficente contra o Atlético Mineiro em prol das vítimas afetadas pelas fortes chuvas em Minas Gerais. Ainda hoje assistimos atônitos, ano por ano, famílias destroçadas e vidas serem perdidas em deslizamentos de terras, enchentes e alagamentos.

Não se vê um planejamento sério de intervenção nas áreas de risco para reverter tais calamidades. Nos últimos anos, os recursos federais para o enfrentamento de desastres naturais tiveram cortes sucessivos ao ponto do orçamento de 2023 destinar uma verba vergonhosa para obras emergenciais de mitigação de desastres e de contenção de encostas.

Pelé sempre disse não entender o porquê de receber críticas por falta de um maior engajamento na luta contra a discriminação racial. Apesar de não ter atuado de forma efetiva no movimento negro, suas conquistas como homem negro se transformaram por si só em símbolo de resistência. De mostrar com seus feitos, para uma menina e um menino preto, que é possível enfrentar as adversidades que lhes são impostas e romper barreiras de classe e cor em busca de uma melhor condição de vida. Não é sensato o alijar do panteão dos símbolos da luta contra o racismo. Foi respeitado por figuras da dimensão de Nelson Mandela e Muhammad Ali, como aqui no Brasil também merece respeito e reconhecimento de todos que lutam contra o racismo e o preconceito.         

Marcado por um mandato negligente e irresponsável no combate à discriminação racial, a homofobia, a xenofobia e o machismo, o governo Bolsonaro irá figurar como o pior e mais corrupto de toda a história republicana desse país. Esperamos ansiosos agora por um governo de reconciliação e reconstrução nacional.   

Jair vai embora deixando um rastro de devassidão administrativa e desleixo pelo bem público.

Edson Arantes partiu, como todos nós iremos partir um dia, com nossas virtudes e pecados.

O atleta do século e maior jogador de todos os tempos nos deixa um legado inestimável, o inigualável e eterno Pelé! O único a conquistar três Copas do Mundo como jogador.