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Colunas

Isto não é sobre Blumenau, 5 de abril de 2023

I. O espaço

1.

Tenho outra Blumenau, Santa Catarina, na memória. Uma Blumenau que não conheço, mas sobre a qual ouvi pela primeira vez quando o Jorge, meu padrasto, falecido há mais de 11 anos, a visitou quando eu era bem criança. O Jorge e o tio Nelsinho, padrinho do meu irmão Gabriel (embora ainda não fosse padrinho, porque não existia Gabriel), saíram de carro de Juiz de Fora e partiram em direção ao Sul. Vejo agora, pelo Google Maps, que são 1.102 quilômetros até lá, um pouco mais se contar que eles pararam para pernoitar em Santos, no litoral de São Paulo, e Curitiba, capital do Paraná. Hoje em dia, é quase o que já percorri no sentido oposto, num único dia, saindo de Alto Paraíso de Goiás para chegar a Araguaína, no Tocantins. Na infância, porém, meu chão era o do quintal de casa, onde se erguia um pinheiro e um pé de amora, e tanta estrada era mais que uma impossibilidade; era um deslumbre.

Anos depois, mas ainda na infância, eu assistia repetidamente uma fita de videocassete sobre as regiões do Brasil e sempre parava na do Sul: “então essa é Blumenau”.

2.

Na Blumenau da minha memória, crianças não eram assassinadas na escola.

II. O tempo

1.

Tenho outro dia 5, mês de abril, na memória. Um dia 5 exatos sete meses depois do meu, mas em que, por acaso (ou sorte), três amigas minhas acharam de nascer. No mesmo ano. Nunca perguntei, mas é até provável que tenha sido na mesma maternidade. Minha infância foi com elas. A vida adulta, às vezes mais, noutras menos, ainda é.

A Renatinha foi a primeira nadadora que conheci. Na verdade, nunca a vi nadar, mas a fama a precedia. E, quando fiz natação, já aos 10 anos de idade, acho que era à Renata que minha cabeça recorria, pensando que, enquanto eu segurava a pranchinha e ensaiava pernadas de crawl, ela já competia com os peixes. E talvez ganhasse.

A Pati sempre foi, e ainda é, a definição superlativa de garota legal. Estudamos juntas desde a 2ª ou 3ª série, mas não sei por qual motivo me lembro muito mais dela na adolescência que na infância, arrasando em todos os esportes coletivos (para os quais eu era uma negação). Se não estou enganada, acho que a especialidade dela era principalmente o vôlei (para o qual eu era uma negação ainda maior). E também ser amiga — amiga mesmo, de fé, irmã camarada! — dos garotos legais que tinham banda (no caso dos garotos, meu talento reverso atingia níveis estratosféricos).

A Carol, por sua vez, é minha irmã nascida em outro dia 5, de outro pai e outra mãe, sete meses depois de mim. Curiosamente, conheci a Carol indo para a natação. Quer dizer, a gente se conheceu na 4ª série (atual 5° ano do Fundamental), quando ela entrou como novata na escola em que eu estudava. A primeira lembrança que tenho da Carol, porém, é na saída da aula, indo para a casa com a mãe dela, enquanto eu, no mesmo ônibus, ia para o clube nadar. A gente pegou muitos ônibus juntas desde então. Todos os dias depois da aula. Duas vezes na semana indo pro inglês. Lendo “Meu pé de laranja lima” no trajeto para Cabo Frio. Fazendo um pagode a caminho de um churrasco (ela não era superamiga dos garotos legais que tinham banda porque ela mesma poderia ter uma). Espero não ter que ir de ônibus para Brasília para vê-la, mas, se ela precisar, é só chamar que eu vou.

2.

No dia 5 de abril da minha memória, crianças não eram assassinadas na escola.