Num filme muito bom, pode acontecer um tanto de coisas e quando acaba, mesmo que três horas depois, você pergunte “já!?” No filme ruim vale o oposto: acontece tanta coisa e de forma caótica que você, parafraseando um produtor de Hollywood, olha no relógio depois de duas horas e se passaram quinze minutos.
Os noticiários dos últimos dias pareciam esse filme ruim, daqueles em que você até tenta salvar uma cena ou outra, mas que no geral fica a desejar.
Pega o caso do Vini Jr., no Real Madrid. O que deveria ser o óbvio e exemplo de combate ao racismo chegou ao ridículo de precisar do VAR pro VAR. Virou questão internacional, com o governo brasileiro conversando com o espanhol e o Lula fazendo pronunciamento em Hiroshima.
A vantagem desse assunto (agora é o momento de tentar salvar uma cena) é manter a bola levantada pra discussão do preconceito racial. Sobretudo quando isso acontece num país, ou mais, num continente que se enriqueceu por séculos explorando outros continentes e com mão de obra escravizada. Mão de obra escravizada negra.
Vale o estudo de História, sobretudo mediado pelo podcast Projeto Querino, pelos livros Escravidão do Laurentino Gomes ou pelas porradas que a Sueli Carneiro dá no Mano Brown no Mano a mano.
Mais adiante na semana, enquanto o Caso La Liga Ultradireira versus Vini Jr. segue em desdobramentos, outro conflito se fez com o mesmo fundo político: a liga do agronegócio X o meio ambiente e os povos indígenas. Em bom português: o governo tá rifando o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério dos Povos Indígenas antes do primeiro aniversário.
A Sônia Guajajara (que, aliás, também está sendo vítima de racismo contra indígena no Twitter, praticado até por quem se diz de esquerda) ameaçou ser largada num canto logo no governo de transição, quando lhe ofereceram uma pasta, uma pochete, enfim, um sub-algo que ela rejeitou: a promessa era de um ministério e foi cumprida. Agora disseram que pode continuar no ministério, mas sem ministeriar com plenos poderes. Coerente com o presidencialismo parlamentar em que o presidente precisa pedir autorização para governar.
A Marina Silva foi deixada de lado mais uma vez. Da outra, em mandato passado, saiu do governo, fez oposição, chegou a errar um pouco a mão ao apertar a do Aécio, mas agora está de volta ao governo do PT. Dessa vez, com um diferencial: foi requisitada pelas redes sociais antes de ser anunciada, por isso tem mais gente observando a questão ambiental agora do que havia antes.
No modelo Poliana do artigo, a tentativa de achar a cena boa nessa sequência de desastres existe: de nada adianta eleger um governo progressista se o congresso é ainda mais reacionário. É como equipar a Ferrari com o motor V12 que funciona só na ré. É… Foi péssimo… Não salvou a cena.
O que se espera nos próximos plots desses filmes é que as soluções mostrem melhoras nas condições de trabalho dos personagens, sejam eles negros, mulheres ou indígenas, porque os brancos que comemoraram nas imagens não perderam muita coisa ainda e nem fizeram o futebol ou o Brasil ganhar.
Um trailer: há poesia em vista, pelo menos no dia 29. Táscia Souza, jornalista aqui de O Pharol, lançará o livro Minha língua procura palavras que tenham gosto de bala de maçã, da editora Patuá, no Forum da Cultura, às 18h. Este colunista não ganhou sequer uma balinha para divulgar a informação, mas sabe que haverá algumas sobre a mesa na noite de segunda-feira.