A Cesama (Companhia de Saneamento Municipal), que é uma empresa pública do município de Juiz de Fora, lançou edital (Licitação Eletrônica 11/2022) para contratar obra de engenharia para construção de três moradias unifamiliares tipo PNR ST SGT (Próprios Nacionais Residenciais de Subtenentes e Sargentos) na guarnição do Exército em São João del-Rei. Os serviços a serem pagos pela Cesama estão orçados em R$ 2,47 milhões. Os envelopes com as propostas serão abertos no próximo dia 3 de julho.
Cada moradia será composta por três quartos, sendo um suíte, com área total de 134 metros quadrados. Os imóveis serão construídos na Ladeira Tenente Vilas Bôas, próximo ao 11º Batalhão de Infantaria de Montanha, na área central de São João del-Rei, ou seja, a 160 quilômetros de Juiz de Fora. O prazo de entrega, conforme cronograma, é de um ano a partir do início das obras, que estava previsto para abril de 2022, mas deve acontecer apenas no segundo semestre deste ano.
Por que a Cesama está construindo moradias para o Exército em São João del-Rei? A justificativa apresentada no edital de licitação cita o serviço de engenharia para construção das três moradias como parte do “compromisso assumido na cláusula 4ª do Contrato de Concessão de Direito Real de Uso Resolúvel 01/2022 firmado entre a União Federal representada pelo Comando do Exército da 4° Região Militar e a Cesama”. O expediente foi publicado no Diário Oficial da União no dia 5 de agosto de 2022.
Pelo contrato em questão, a União Federal representada pelo Comando do Exército, por intermédio do Comando da 4ª Região Militar, concede de forma onerosa direito real de uso à Cesama pelo período de 20 anos de uma área de 62 mil metros quadrados localizada na Estrada da Represa João Penido. A contrapartida a ser paga pela Cesama na forma de obras e serviços é de R$ 3.508.541,44, sendo a maior parte investida em São João del-Rei.
A área a ser concedida à Cesama, conforme o contrato, será utilizada “para fins de implantação (regularização) da adutora João Penido e da adutora Menelick de Carvalho (em operação há mais de 50 anos); bem como implantação da 4ª Adutora e Vertedouro de Emergência da Represa Dr. João Penido (unidade a implantar)”. Nenhuma outra atividade poderá ser realizada no local.
À exceção da conclusão da 4ª Adutora, recentemente inaugurada, as demais intervenções só podem ocorrer paralelamente às obras e serviços da contrapartida. Além da construção das moradias em São João del-Rei, a Cesama ainda deverá promover a adequação do Campo de Instrução de Juiz de Fora, incluindo o rancho localizado no espaço, e a conversão da rede de média tensão com troca de transformador e construção de ramal subterrâneo.
A Cesama precisa mesmo pagar para usar terreno da União?
A cláusula 3ª do Contrato de Concessão de Direito Real de Uso Resolúvel 01/2022 traz como justificativa legal todo um arcabouço legilslativo, com destaque para o Decreto-Lei 271, de 1967, o Decreto-Lei 9.760, de 1946, alterado pela Lei 9.636, de 1988, e duas portarias do DEC (Departamento de Engenharia e Construção) do Exército. De uma forma geral, todas as normas tratam da regularização, administração, aforamento e alienação de bens imóveis de domínio da União.
Além da menção à necessidade de anuência do Exército no caso de cessão de imóvel sob sua administração (Decreto-Lei 271), o procedimento envolvendo a União, representada pelo Comando do Exército da 4° Região Militar, e a Cesama é disciplinado em sua maior parte pelo artigo 18 da Lei 9.636. É no parágrafo 10 que se encontra respaldo para cessão da área com contrapartida em forma de construção, reforma ou prestação de serviços de engenharia em imóveis da União.
O problema é que, no mesmo artigo 18, da mesma norma (Lei 9.636), o parágrafo 8º estabelece que, quando os beneficiários da cessão forem “entes públicos ou privados concessionários ou delegatários da prestação de serviços de coleta, tratamento e distribuição de água potável, esgoto sanitário e destinação final de resíduos sólidos poderá ser realizada (cessão) com dispensa de licitação e sob regime gratuito”.
Seguindo, no parágrafo 9º, há previsão expressa de que, “caso haja a instalação de tubulação subterrânea e subaquática que permita outro uso concomitante, a destinação dar-se-á por meio de autorização de passagem, nos termos de ato da Secretaria do Patrimônio da União”. Por fim, a Portaria 200-DEC do Exército, de 2020, é taxativa: “A concessão será onerosa quando a entidade interessada exercer atividades com fins lucrativos no imóvel.”
O Pharol questionou o Exército por meio de sua assessoria de imprensa sobre os critérios usados para caracterizar a cessão da área de 62 mil metros quadrado localizada na Estrada da Represa João Penido como onerosa uma vez que a Cesama é empresa pública integrante da administração municipal indireta.
A Cesama, por sua vez, foi indagada se, por se tratar de empresa pública com atuação restrita a Juiz de Fora, não haveria impedimentos legais quanto à aplicação de recursos próprios em outro município. Também foi questionada a diferença de tratamento em relação à Represa de Chapéu d’Uvas, que se localiza em Ewbank da Câmara e Santos Dumont, motivo pelo qual a companhia por diversas vezes se eximiu de atuar na fiscalização da ocupação irregular de suas margens.
Até a publicação da reportagem as assessorias do Exército e da Cesama não haviam se manifestado.