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Uma história de um genocida

Achou que era um texto sobre o Bolsonaro? Embora também envolto em discussões sobre legislação, negacionismo e mortes, o assunto aqui não é o ex-presidente a ser julgado pele TSE na próxima terça-feira, dia 27. Aqui o assunto é cigarro.

Que o cigarro mata todo mundo sabe, até os fumantes, mesmo que neguem. O tabagismo é o pai do negacionismo moderno, assim ele é apresentado no episódio do Ciência Suja, que pode ser ouvido em diferentes plataformas ou pelo site. Mata por dentro e por fora.

Isso para não falar dos inconvenientes de abraçar um indivíduo fedido a cigarro, entrar num veículo ou ambiente catingado ou, pior, estar andando na rua e receber aquela baforada de quem está na sua frente justamente no momento de inspiração. O cigarro mata a graça de estar em alguns lugares.

A história a seguir, embora pareça cena dos filmes Premonição ou de terrores sobre possessão, é verdadeira. Tem até um pouco cara de Atividade paranormal e quem assiste a gravação feita pela câmera pode até acreditar que verá uma assombração vindo pegar a câmera no fim.

Tudo começa com uma pessoa fumante que apaga o cigarro dobrando-o. Qualquer imbecil, fumante ou não, que já viu um cigarro ser dobrado num cinzeiro percebe que ele continua queimando. A dobradinha é mais cenográfica ou para evitar que o próprio viciado pegue a guimba para uma última tragada.

Pois que a pessoa em questão deu a dobradinha no cigarro num papel e depois amassou o papel com o cigarro dentro. Como se não bastasse essa brasa em potencial, o coquetel molotov foi jogado no lixo. Na montanha de papéis e plásticos de lixo reciclável, dentro do depósito de lixo de um prédio com 78 apartamentos. Dumb ways to die.

Em minutos, houve quem desconfiasse do próprio forno ligado, de um eletrodoméstico queimado, do vizinho fazendo bobagem na cozinha. O cheiro de queimado havia subido os vinte andares. E o interfone do síndico tocou, era o porteiro:

– Está acontecendo um negócio lá no lixo…

O cigarro dobrado e camuflado havia se tornado uma lamparina à luz apagada do depósito, depois uma fogueira e, por fim, uma nuvem de fumaça que começou a se espalhar pela garagem. Garagem é o substantivo feminino para o lugar onde veículos, geralmente movidos por combustível inflamável, descansam sobre suas rodas de borracha e com seus estofamentos de tecidos variados.

A mangueira ao lado da porta foi acionada, assim como o corpo de bombeiros, depois comunicado que o fogo havia sido controlado. Tudo foi feito com rapidez suficiente para poupar a vida dos moradores, mas não para atrasar o banho de muitos deles: o incêndio destruiu a iluminação, as câmeras e fez estourar um cano. O fogo foi biblicamente substituído pelo dilúvio.

A água jorrou até que o fornecimento fosse cortado. O interfone do porteiro começou a chamar. Mal sabiam os reclamantes que poderiam estar chamuscados ao invés de apenas sujos. Os reparos foram feitos pelo síndico e por outro morador, criando uma vedação para o cano de modo que a água pudesse voltar a circular pelos apartamentos.

Antes, porém, a água desperdiçada escorreu pela laje não impermeabilizada e entrou no salão de festas e em lojas no andar térreo, danificando mais componentes da estrutura do prédio e de empresas instaladas ali.

O cigarro mata de várias maneiras, quase todas elas acompanhado de estupidez.