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Ser tão Zé

São Paulo (SP) – O dramaturgo José Celso Martinez Correa, diretor do Teatro Oficina, morre em São Paulo aos 86 anos. Foto: Garapa Coletivo/Wikimedia Commons

Falar do Zé a partir do Paulo torna tudo bem mais próximo. O Paulo é o Freire e o Zé é(x)Celso. Se falar tijolo torna a palavra mais fácil do que falar neve, falar de Zé Celso passando por Zeluiz permite entender melhor que teatro é esse.

Teatro é para ver de perto. Passar pelos livros e filmes, pelas histórias e estórias do Oficina, pelos casos contados no Centro de Estudos Teatrais — Grupo Divulgação é fundamental para entender a cena desde que o mundo é mundo e, no Brasil, a importância de José Celso Martinez Corrêa. Ver de perto muda tudo.

Quem convidou para a viagem nem foi, mas um trio viu Roda viva em 2019, já com Bolsonaro no poder, o que fez da peça infelizmente bem atual. Depois, o bar e muito a se falar. Três virgens de Oficina sentados com fome de teatro numa lanchonete do Bexiga. Era muito para uma noite só.

Na sacola, o box de DVDs com Os sertões, homérica empreitada do oficina dividida em cinco partes: uma para A terra e duas para cada uma das seguintes: O homem e A luta. O livro de Euclides da Cunha estava em cena e na cabeceira da cama, seria tema da Flip no meio do ano.

Livro lido, a pergunta: como farão com A terra? É um capítulo de geografia, como fazer dele teatro? O susto ficou maior ao ver a duração: como fazer isso durar mais de três horas!? Durou. Mesmo no vídeo, que não é ver de perto, é ainda assim maravilhoso. Como boa parte da trajetória de Zé Celso, é sem noção.

Como é sem noção ler que ele começou a vida política gritando Anauê e depois entendeu melhor o mundo. E ajudou a explicá-lo com conceitos, teorias e escatologias. Tudo em cena. Em cenas.

Depois de umas 20 horas de Os sertões, a frustração de não ter aquilo ali, diante dos olhos, era palpável.

E veio a Flip. Depois da mesa de abertura, atores e indígenas da região de Paraty fizeram um pocket de Os sertões, com mais de uma hora, um quase nada perto da montagem original, um tudo para a criança que estava ali sentada cantando as músicas, reconhecendo atores que dias antes estavam na sala de casa, pela televisão, e agora escrevendo um texto.

O entusiasmo só não era maior que do jovem grisalho, vestido em manto branco e parecido com o Papa Francisco, que emanava energia da primeira fila: Zé Celso.

E dias depois lá estava ele de novo, não mais na primeira fila, mas no palco, ao lado de Ailton Krenak, quando um estouro de boiada passou ao lado da arena em direção ao Barco Flipei. No Barco conversavam Glen Greenwald e Gregório Duvivier sobre a Vaza Jato, interrompidos por tiros de foguetes, alguns mirando pessoas. Onde se discutia as notícias foi feita a balbúrdia.

Onde se fazia notícia se fez piada. Zé Celso e Krenak debocharam dos atos, em meio a teatro, legislação, respeitos e pinturas. A verdadeira luta acontecia ali, na arena principal, em que dois grandes protagonistas davam as mãos para falar de Brasil.

Zé Celso semeou tanto que talvez tenha se tornado árvore, uma que vai ser parte de cenário, como Lina Bo Bardi respeitou no Oficina. Ou terra, que o próprio Zé Celso transformou em sementes de cultura com Os sertões e com tantas outras montagens e em luta contra a hegemonia do capital ao sobreviver a tantos incêndios, literais e midiáticos, sem precisar comprar o Carnê do Baú.