Colunas

Sem habeas corpus

A priori, textos de filosofia, de economia e de ciências políticas, mesmo que versem sobre o cotidiano, são difíceis. Nem tanto pela escrita do autor, mais pelo tempo em que escreveu. Por mais popular que Shakespeare tenha sido, 400 anos depois ele fica difícil até para o nativo english speaker. O que dizer da Lei das Doze Tábuas de antes de Cristo, de um Maquiavel do início do século XVI ou do Saint-Exupéry da década de 1940?

No entanto, há compilações e versões didáticas de diversos textos, geralmente criadas por autores que pretendem popularizar o assunto. Jostein Gaarder ficou famoso ao contar a história da filosofia para jovens com O mundo de Sofia. Karl Marx e Friedrich Engels uniram proletários em torno do Manifesto do Partido Comunista. Data venia, O principezinho não é um resumo de O príncipe.

Neste, quando Maquiavel esboça o retrato de César Borgia, filho de Rodrigo Borgia ou  papa Alexandre VI, algumas frases se destacam e são usadas conditio sine qua non para valorizar um discurso. Se “os fins justificam os meios” se tornou quase catacrese, outra merece ser lembrada: “O primeiro método para estimar a inteligência de um líder é perceber os homens que estão à sua volta.”

Pois chegam os julgamentos sobre os atos de atentado à democracia do dia 8 de janeiro deste 2023, para que não haja periculum in mora. O tempo pode mostrar aos agentes das ações que “é loucura jogar fora todas as chances de ser feliz porque uma tentativa não deu certo”, por isso a justiça deve “exigir de cada um o que pode dar” e lembrar-se de vidros partidos, patrimônio dilapidado, símbolos históricos destroçados, obras de arte maculadas e incontinências gastrointestinais externadas. Até agora, 17 anos (por que não 22?) foi o tamanho da pena. Um consolo se a justiça lembrar a cada condenado que “tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas.”

Talvez esteja guardando essa frase para o ex-presidente, como já sinalizou um de seus filhos numéricos.

Se in dubio pro reu, in redes sociais prova-se muito. A posteriori foi tudo colecionado pela polícia, o inquérito se valeu de arquivos produzidos pelos próprios actantes e o modus operandi ficou explícito, restando à investigação organizar cadastros e buscar agentes das causas.

O principal desafio para a justiça é, justamente, ser justa. Manchado pelo golpe de 2016 e pela Operação Lava Jato, o judiciário tem a chance de, no popular, mostrar serviço. Movimento que precisa ser observado de perto, porque, se há personagens que aparecem por citações equivocadas ou pelo choro em cena, há também os portadores do martelo, da toga e da Constituição.

A venda, a espada e a balança precisam ser sempre respeitadas, para que não sejam, respectivamente, levantada, afiada em um gume, desequilibrada. A revolução, como diz o título do filme, não será televisionada, mas os julgamentos são. A justiça precisa ser maior que o espetáculo, a história maior que os personagens e a todos, agentes e público, importa ter sempre em mente, como consta no título: sem anistia. Erga omnes.