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Este ano a black friday é na sexta-feira

“Quantos dias vai durar a black friday do Hupokhondría?”

Pronto, tava levantada a bola para o texto-jabá desta coluna. Merchand purinho, era só falar que os livros isso e o preço aquilo, depois ficar rico e comprar um resort na Ponta dos Castelhanos, na Bahia, onde o povo que tem dinheiro quer fazer hotéis, fazendas, luxo e acabar com a pesca de mariscos.

O Hupokhondría deu azar, teve esse comentário postado aqui e ninguém vai comprar livros lá no Instagram. A chance já era pequena, desde que houve golpe em 2016 ou Bolsonaro foi eleito que a leitura se mostrou claramente uma função renegada na sociedade brasileira. O que justifica o comentário.

Até o capitalismo, com toda sua selvageria, tem valores, e a black friday os inclui. Lá nos Estados Unidos, onde ela nasceu, funciona assim: depois do Dia de Ação de Graças, quando todo mundo lá celebra que os indígenas locais ensinaram os imigrantes ingleses a plantar, sem marco temporal, começa a compração de presentes pro Natal.

O Natal, convém explicar, celebra o nascimento de um comunista avant la lettre, mas isso é irrelevante para o capitalismo selvagem, não está no Marx ou no Lenin, mas outro livro.

O negócio é entender a dualidade entre compra e venda. Quem compra, quer comprar barato; quem vende, quer vender caro. Pronto, chegamos ao Brasil.

O que mais se comenta da black friday no Brasil é que as lojas sobem os preços (dias/semanas/meses) antes da promoção para venderem a preço normal no final de novembro. Outras nem isso: colocam o preço X como “APENAS” e o preço anterior algo insano. Um exemplo: Somente por 3.999 (antes: 39.999). Um sofá. Daqui a pouco isso vira meme, mas é falta de caráter.

A black friday é claramente um movimento de vendas, para incentivar as vendas, por isso os anúncios em amarelo e vermelho (com fundo preto, claro) precisam ser sinceros. Empresas que aumentam seus preços antes para fingir promoções depois deveriam conversar com o Ministério Público ou, na hipótese mais política, não receber demandas e ainda ser denunciadas pelos consumidores.

Desde qua acabou o Dia das Crianças, na falta do que fazer para promover as vendas, muita gente colocou luzes de Natal (morte ao sagrado! ao ritual! à História!) e começou a vender panetones a anunciar black fridays. Algumas já começaram, mais de uma semana antes. Outras foram anunciadas para durar alguns duas.

Black friday = sexta-feria negra.

Com todas as controvérsias históricas e políticas, a única certeza que existe é que se trata de uma sexta-feira. Sexta-feira. Se começa antes ou termina depois, não é black friday, é outro tipo de promoção mesmo que tenha a mesma proposta, quando o vendedor é sincero, de impulsionar as vendas.

“Semana black friday” ou “final de semana black friday” ou até ouvir em janeiro “a gente manteve o preço da black friday” é corromper um sistema que a própria selva criou. São várias formas de convite para a selva, onde tudo é ofertado, diversão e jogos, se você tiver o dinheiro. Você pode ter tudo, mas vai sangrar, esse é o preço que se paga, segundo Welcome to the jungle, do Guns n’ Roses.

Alanis Morrisset, que esteve no Brasil por esses dias, é mais irônica. De que adianta poder comprar o prato perfeito sem ter o talher, estar na viagem certa se o avião vai cair ou ganhar na loteria às vésperas de morrer? A vida já tem tantas peças para pregar, de que vale ainda cair nas do mercado?

Se a vida é mesmo longa e próspera, como dizem os trekers, vale pesquisar até a próxima black friday para não se perder na selva, como disseram os Guns, e para não cair numa ironia, se não do destino, pelo menos do mercado, como disse a deusa Alanis. Aos que tiverem sucesso nesse embate, o choro pela conquista e os abraços são livres. Aos demais, foi um aviso que não quiseram ouvir, tá na música.