Pior do que uma calçada esburacada, só mesmo ela estando ao lado de um asfalto irregular durante a chuva. São dias de maçarico ligado e num repente chega a ventania e desce o pé d’água. Boa, vai refrescar, se enganam alguns. Pode até ser que refresque, mas antes disso vai molhar.
O caminhante fica em dúvida sobre o buraco mais raso para pisar ou que parte do riacho está mais estreita na hora de atravessar a rua. Com pasta, sacola, mochila e guarda-chuva para equilibrar. Ou crianças, no colo ou de mãos dadas: já era, prepare a beirada do tanque e o sabão de coco.
Tem uma máxima que se repete aos motoristas quando começam no volante: nem todo pedestre é motorista, mas todo motorista é um pedestre. Como sabiamente disse Tancredo Neves, aqui cabe outra máxima: brasileiro tem memória de 15 dias.
Sob o sol escaldante, o motorista vai o mais rápido possível, mesmo que por poucos metros entre um sinal vermelho e outro, para se refrescar no ventinho que entra pela janela. Quando chove, de vidro fechado, ele faz o mesmo. Não é possível que todo motorista desse tipo de comportamento goste de levar um banho de água de sarjeta quando tenta superar os desafios da calçada esburacada. E se não tem ninguém na frente é que o egoísta acelera mesmo. Para quê!?
Motoristas poderiam aproveitar as chuvas para refletir sobre a consciência no trânsito, tempo para isso há, pois é no trânsito que acabam se demorando quando as gotas começam a cair. E os moradores deveriam olhar suas caçadas em dias de chuva e mapear o que podem melhorar ali para os passantes quando forem reformar.
Já nas praças, o buraco é mais embaixo. Buraco em chão de terra até tem muito, mas não é essa a questão. Ou até é quando o buraco é deixado por algum estande que foi embora e não tapou o que perfurou para se instalar. A frese do buraco, no entanto, era uma metáfora.
A chuva também tem sido um desafio para o projeto de ocupação das praças da cidade, capitaneado pelos cervejeiros aqui da Manchester Mineira, também tratada como capital mineira da cerveja artesanal.
A cada semana, um produtor pode ocupar uma praça das que foram escolhidas para o circuito e montar, de segunda a domingo, suas torneiras para vender cerveja. Kombi, fusca, carrinho de reboque, seja qual for o veículo, várias vizinhanças estão tendo a oportunidade de abrir a janela e descobrir um novo bar efêmero a poucos passos de casa.
Pode ser estranho quando, em plena quinta-feira, o cidadão olha pela janela e vê que uma marca de cerveja local está se instalando na pracinha. Depois que entende o que é o projeto, já abre a janela para saber qual é o puro malte da semana. Hábitos se constroem aos poucos, a perseverança dos cervejeiros pode ajudar a desenvolver essa cultura e ainda contar com parcerias.
Food trucks têm participado das conversas e podem fazer parte do circuito, assim como artistas locais, bons para atraírem público. Por enquanto estão só as torneiras em ação, lutando contra o sol forte que afasta as pessoas de pararem nas mesas e, geralmente nos finais de tarde (geralmente nos finais de semana, quando teriam mais bebedores), contra a torneira de São Pedro, claramente apreciador do vinho de missa em detrimento do lúpulo fermentado.
O projeto segue até abril, mas orações e incentivos dos apreciadores da cerveja local esperam que a cultura de sentar na praça perto de casa seja desenvolvida para bem além das águas de março. Ganham todos os que participarem: quem produz cerveja (e comida e arte) e quem mora por perto e vê os espaços muitas vezes abandonados sendo ocupados por pessoas alegres com boas prosas. O melhor: perto de casa, nem precisa ir de carro. Pode beber à vontade sem acertar pedestres.