
O projeto de lei que propõe a gratuidade para todos os usuários do transporte público coletivo em Juiz de Fora ainda terá um longo caminho a percorrer na Câmara Municipal. Com um modelo de financiamento polêmico — baseado na cobrança de tarifa de pessoas jurídicas com dez ou mais funcionários — a proposta promete desencadear intensos debates, o que pode atrasar a nova licitação do setor e forçar a renovação do contrato com o Consórcio Via JF.
Para que o processo licitatório seja iniciado, é necessário que o objeto da licitação, no caso, o serviço de transporte público coletivo de passageiros, esteja definido de forma detalhada, assegurando condições equitativas para os participantes. Isso depende da decisão sobre a existência ou não de cobrança de tarifa dos usuários, algo que só será definido após a tramitação do projeto na Câmara.
Anunciada no início da semana pela prefeita Margarida Salomão (PT), a proposta chegou ao Legislativo na terça-feira (24). O primeiro indício de morosidade surgiu já no formato do projeto de lei, enviado pelo Executivo sem documentos técnicos essenciais, como estudo de impacto financeiro. A ausência dessas informações deve gerar uma série de pedidos de diligências por parte dos vereadores.
Como a proposta não foi debatida previamente com empresários e gestores de órgãos públicos — apontados como os principais financiadores da gratuidade —, as discussões deverão ocorrer durante a tramitação do projeto. Até a noite de quinta-feira (26), ao menos três pedidos de audiências públicas já haviam sido protocolados na Câmara, embora nenhuma ainda tenha sido agendada.
No trâmite interno, o texto precisa passar pelas comissões de Legislação, Justiça e Redação; Finanças, Orçamento e Fiscalização Financeira; e Urbanismo, Transporte, Trânsito e Acessibilidade — todas presididas por vereadores da base do governo. Cada comissão segue prazos e ritos próprios, o que contribui para um ritmo mais lento.
Mesmo após a liberação para votação em plenário, o projeto pode ser alvo de manobras regimentais, como “pedido de vista” ou “sobrestamento”, que adiam ou suspendem a análise da matéria por tempo determinado. Além disso, o calendário da Câmara prevê sessões ordinárias apenas em uma quinzena do mês, com recesso na seguinte, o que pode retardar ainda mais a votação.
Inquérito da Operação Apate deve recomendar nova licitação
Paralelamente, o inquérito da Operação Apate — que investiga suposto cartel em licitações em municípios mineiros e possíveis fraudes na contratação do transporte coletivo em Juiz de Fora — deve recomendar a realização de um novo processo licitatório na cidade. A apuração é conduzida pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), com base em indícios apontados em relatório do Ministério Público de Contas do Estado de Minas Gerais (MPC-MG).
Em um desdobramento da operação, agentes do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) cumpriram mandados judiciais, em maio, na garagem do Consórcio Via JF. As informações recolhidas estão sendo analisadas e serão posteriormente julgadas pelos conselheiros do Cade.
Durante sua campanha de reeleição, a prefeita Margarida Salomão também assumiu o compromisso de realizar uma nova licitação do transporte coletivo. A promessa foi reafirmada na coletiva de imprensa de segunda-feira (23), quando apresentou a proposta da tarifa zero. Na ocasião, Margarida afirmou: “Acolhida pela Câmara e virando lei, é lógico que ela (tarifa zero) repercute na nova licitação que faremos”.
No entanto, enquanto o projeto estiver em debate no Legislativo, não haverá segurança jurídica para a abertura do processo licitatório. O contrato atual expira no fim de agosto de 2026. Caso até lá o novo certame não esteja concluído, restará ao município prorrogar emergencialmente o contrato vigente, ainda que isso contrarie, ao menos momentaneamente, os interesses do Cade e da própria prefeita.
Vereador propõe comissão para debater nova licitação
Na busca por agilizar o processo licitatório, o vereador Maurício Delgado (Rede) vai apresentar uma proposta para criação de uma comissão especial encarregada de analisar e debater a concessão do serviço de transporte coletivo. Segundo o parlamentar, diante dos repasses financeiros feitos na forma de subsídio direto, é necessário elaborar um diagnóstico do modelo atual, com foco nos aspectos financeiros e operacionais da prestação do serviço, a fim de subsidiar a construção das diretrizes que nortearão o futuro contrato.
“O desafio que se impõe é buscar um novo modelo que ofereça transporte público de qualidade e acessível aos juiz-foranos, além de atender às exigências de uma cidade sustentável, com menor emissão de gases de efeito estufa”, defende o vereador. A expectativa é que, a partir do diagnóstico elaborado pela comissão, a Câmara Municipal contribua com propostas concretas para a reformulação do sistema de transporte coletivo do município.