Quem me conhece de pertinho já se assustou com a quantidade de abas abertas no computador com as quais trabalho o dia todo. Menos de dez? Nem no melhor dos dias. São duas caixas de e-mails, uma caixa de mensagens, dois aplicativos abertos, um podcast tocando, alguns artigos que preciso ler e estou adiando, uns três portais diferentes de notícias e o celular piscando no suporte ao lado. Ele fica bem pertinho, ao lado da agenda com uma lista feita em garranchos com o lápis 3B, porque não gosto de nada leve, com as tarefas que devem ser cumpridas no dia.
Todo dia… Fazendo tudo igual. Tentando fazer caber em 24 horas aquilo não caberia em 30. Esforçando-me para responder com rapidez às demandas que chegam ininterruptamente, mesmo que não sejam para mim. Aliás, muitas delas chegam justamente assim: “Tâmara, eu sei que talvez não seja com você, mas imaginei que você conseguiria me ajudar…” E não estão errados. Eu me esforço mesmo para conseguir dar conta. De responder as mensagens, de conseguir os contatos, de fazer a ligação, de encaminhar os documentos, de agilizar o processo, de construir pontes. Bom, né?
Para quem, meu amigo?
O corpo não tem achado tão bom assim. Ser mulher-polvo não é uma figura estranha à toa. Não fomos feitas para ter oito braços não é por acaso. Ter que aproveitar o tempo de fervura da água do café para colocar a roupa no varal, a outra para lavar, as plantas na janela, os panos de molho no cloro enquanto ouve as mensagens de voz que chegaram durante a noite tem seu preço. Quem é que disse que mulher é assim mesmo? Quando foi que aceitamos que dá para viver assim e ser saudável e feliz ao mesmo tempo?
Uma pesquisa realizada ano passado pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP demonstrou que as mulheres foram as mais afetadas pela realidade pandêmica que vivemos. E, ao contrário do que nos fazem acreditar, ter emprego, casa para morar e uma família saudável não é criptonita. Também somos susceptíveis ao cansaço, ao esgotamento e ao estresse. Das 3 mil entrevistadas neste estudo, 70,1% tinham formação universitária e 46% estavam empregadas e, ainda assim, ao contrário do que nos fazem acreditar ter direito, elas estavam exaustas.
Passou da hora de reconhecer que cada vez que elogiamos uma mulher “forte, guerreira, batalhadora, incansável” devemos devotar a ela também uma grande parcela de empatia e compaixão. Por mais que ela tenha aprendido a sorrir enquanto busca fôlego, creia, não está fácil.
E por isso mesmo, por essa compaixão que deve nos unir, compartilho dois conselhos que recebi essa semana de uma profissional que já vem salvando minha vida há algum tempo: “Sempre que você tentar aproveitar o momento que a água ferve para guardar os sapatos espalhados pela casa, adiantar o almoço, costurar a barra da camisa e molhar as plantas, no lugar de perguntar‘Eu consigo?’, passe a se perguntar‘Eu preciso?’”.
Preciso mesmo fazer tudo isso ao mesmo tempo? Vou usar essa camisa agora ou posso arrumar essa barra depois? E se eu trocar esse prato complicado por uma salada simples na hora do almoço? E se eu aproveitar para dar uma olhada pela janela?
A urgência não deve ser nosso estado permanente de vida. Por mais que seja difícil admitir, nem tudo é urgente. E muita gente já descobriu isso! Sabe aquela pessoa gente boa que te responde a mensagem que você enviou tarde da noite, mas só no outro dia de manhã, depois de ter tomado o café da manhã? Ela já sabe!
Ou seu colega de trabalho com quem você sabe que pode contar, que é parceiro e prestativo, mas que não vai te dar retorno do e-mail no domingo porque é dia de dormir até mais tarde, passear de bicicleta e almoçar com a mãe. E na segunda, como o assunto não era urgente mesmo, ele vai te dar retorno e te ajudar, e vai dar tempo de resolver porque, de fato, não era coisa pra domingo. Ele também já aprendeu.
Talvez por isso eles estejam dormindo melhor, não se engasgando com a comida, porque até para mastigar a gente está usando a velocidade dois, não demorando o dobro do tempo tentando realizar uma tarefa que não é a nossa porque talvez, sim, eu disse talvez, o outro demore pra te entregar o material pronto.
Convido você a fazer como eu e criar o selo mental do “É urgente mesmo?” e dar aquela carimbada marota em cada demanda que chega com ares de “pra ontem” e que, se você olhar bem, nem para depois de amanhã é de verdade. Quem sabe assim a gente se surpreenda a encontrar um dos nossos braços— não os oito, apenas dois como devemos ter— vazio. E com ele lembrar que também nós merecemos um carinho.