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“A Filha Perdida”, o filme imperdível

“Eu não nasci pra ser mãe! Durante os últimos dois anos essa verdade, incontestável, me foi dita em tom de ameaça algumas vezes: ‘Quando o Thomás crescer, vou contar pra ele que você nem queria ter filho!’, dizem os amigos para me convencer a me aventurar pela maternidade outra vez. Eu não ligo. É verdade!

Antes dos últimos dois anos da minha vida, e da sua, essa ideia jamais me agradou. Só comecei a ‘tomar gosto pela coisa’ quando você chegou. E me ensinou que mãe não precisa saber fazer comida gostosa (o nome disso é Nestlé) nem saber costurar bainha na calça do uniforme (Deus salve o inventor da fita crepe!), muito menos ser paciente em tempo integral (o nome disto é avô e avó).

O necessário mesmo é amar a ponto de inventar uma história por dia, dormir só depois de rezar pra você, tomar banho de mangueira juntos nas duas horas corridas do almoço só pra deixar a quarta-feira mais feliz, e não conseguir nem respirar ao pensar que você pode um dia não mais me acordar com ‘Me ama, mamãe?’”.

Este texto que inicia a coluna de hoje escrevi como celebração ao aniversário de dois anos do meu filho único e, na época, recebi nada menos que 63 comentários de mulheres se sentindo representadas. Foi muito bom não me sentir sozinha.

A mesma sensação me invadiu essa semana ao assistir “A filha perdida”, filme disponível na plataforma Netflix, dirigido por Maggie Gyllenhaal e estrelado pela competentíssima Olivia Colman . Incômodo, identificação, perplexidade, empatia… …solidariedade. E não só pra mim, mas para muitas outras mães que admiro profundamente não só pelas mães que são, como também pelas profissionais, amigas e mulheres fantásticas e que me inspiram faz tempo. 

Digo e repito em voz alta, sem medo de má interpretação: pra mim, ser mãe é fantástico, mas igualmente difícil e desafiador. Não tem nada de fácil e leve nesta experiência. Dói um pouco todo dia. A cada febre, a cada telefonema fora de horário, a cada silêncio na casa (que desejamos tanto, mas que nos assusta quando acontece).

Eu me descobri grávida poucos meses após ingressar no doutorado. E assim, com um bebê na barriga ou no braço, produzi minha tese. Li o que precisava, fiz as entrevistas e aulas com um bebê a tiracolo. Nem por um dia deixei o pequeno com alguém para que eu pudesse escrever, ler, pesquisar… “É minha responsabilidade”, eu respondia a cada vez que alguém se oferecia a ficar com ele para que eu pudesse estudar. Eu já tinha que contar com ajuda para sair para trabalhar. Nunca me senti no direito de estar em casa com o filho em outro local. Se eu estava em casa, então podia dar conta de tudo. Será?

Notebook no colo, na cama. Menino ao lado no travesseiro. Leite materno sujando a roupa. Olhos de quem acordou de uma em uma hora na madrugada fechando de sono. A bagunça da casa incomodando. Aula para preparar. Telefone tocando ininterruptamente por conta de mil e uma demandas de trabalho que não tinha final de expediente. Será que eu dei conta? Vivo me fazendo essa pergunta.

Será que alguém dá conta?

O filme a “A filha perdida” ficou alguns dias parado na minha tela de abertura do aplicativo, e eu ignorando. Afinal, não quero saber de filho perdido, filho doente, filho com fome…Fujo desses filmes mesmo porque sei que é demais para mim. Um dia resolvi encarar e me dei conta que as filhas perdidas somos nós, que viramos mães.  Que perdemos o alento de estar no colo e poder gritar socorro a qualquer hora e por qualquer motivo para ser fonte de paz e tranquilidade até mesmo quando estamos no olho no furacão. Ah, se nossos filhos soubessem o tamanho dos nossos medos.

O tanto que já choramos no banho pensando: “Não posso morrer porque ninguém vai cuidar dele como eu”. Se descobrissem que nosso maior medo quando nos descobrimos doentes é: “Será que eu adoeci as crianças também? Preciso melhorar logo para que elas não fiquem doentes.”. Se pudessem sentir no beijo na testa que damos à noite o desejo tangível de que eles de fato tenham bons sonhos, que sigam respirando enquanto dormem, que não tenham febre enquanto nossos olhos estiverem fechados, que acordem felizes no dia seguinte…

Todo mundo fala da dor da amamentação, da dor da recuperação da cesária… Mas o que esquecem de nos dizer é dessa dorzinha crônica que acompanha toda a maternidade. A cada dia que nos damos conta das injustiças do mundo e temos certeza que não poderemos afastá-los delas. Meu filho será um homem negro no Brasil. Tem ideia do quanto isso já me dói?

Se você ainda não assistiu a esse filme, recomendo que assista. Principalmente se você for homem. Imagine se seria possível que o protagonista também fosse. A paternidade tem seus dilemas, obviamente, mas não é raro encontrar pais, que ainda são considerados bons pais, e que fizeram escolhas semelhantes à protagonista do filme sem causar tanta perplexidade. O que estamos fazendo com nossas mães? O que estamos fazendo conosco?

Há muitas filhas perdidas por aí esperando um olhar de empatia e compreensão. Que saibamos como ajudá-las a se encontrar.