Tinha que ser proibido esse negócio de emendar Copa com Natal. Pior ainda: eleição-Copa-Natal. Caramba, não dá tempo de fazer as pazes com o parente que votou no Bolsonaro nem com o que torceu pela França. Porque todo mundo que se preze torceu pela Argentina, nossos hermanos, e porque o Mbappé falou que não tinha futebol organizado na América do Sul. Ele até tá certo, mas latinos são passionais e por isso ele tá errado.
E nem dá tempo de pensar um texto pra falar de política, porque foram tempos difíceis: semanas (meses) de eleição comendo solta e depois Copa, quando não se pode falar de política. Agora fica difícil sentir a atmosfera: ainda rola plantão em porta de quartel do povo do E.T. ou todo mundo entrou no clima do fair play?
Melhor escrever sobre o espírito natalino e seus dois grandes representantes: Jesus Cristo, o cara que nasceu, e Papai Noel, que não tem nada a ver como cara que nasceu sem saber quem era o pai de verdade e ainda foi abandonado no final.
Jesus Cristo tem a biografia apócrifa contada no Novo Testamento. Muito se sabe dele pela convergência e Henry Jenkins explica bem como isso acontece na era da internet, mas no tempo do JC não tinha internet. A convergência vinha mais pelo boca a boca, esse negócio de confiar no outro e não ter como pesquisar no Google pela veracidade dos fatos. Igual hoje.
Fato mesmo é que ele distribuía bênçãos, milagres, pães e vinhos, sem dar um centavo de dízimo pra igreja que nem tinha sido criada ainda. Mandava criança e pobre pro céu, trazia morto de volta e partilhava o pão (de novo, mas agora é o último). Nunca fez um gol, nunca pediu um voto e nunca, mas nunca mesmo, disse que era santo. Todo mundo que leu a Bíblia saca disso.
Pena que tem muito pastor que nem isso fez.
Mas tá lá e o Natal celebra esse cara que quando não tinha vermelho no pano que trajava tinha no sangue que escorria. Como o pai (Pai) abandonou a cria, tem o pessoal que segue no “Deus acima de tudo”. O rebento comunista que se estrepe.
O outro de vermelho só ficou vermelho depois que a golpista comunista Coca-cola cooptou o personagem. Ninguém sabe os bastidores da transação, fato é que abandonou o fato verde e assumiu o saco vermelho pra distribuir presentes, “seja rico ou seja pobre, o velhinho sempre vem”.
Ele fica lá na Lapônia observando as boas ações de cada um que leva sopa pros pobres (depois de escorraçar seus funcionários da empresa), que faz doações pra ONG da blogueira que não se importa com a origem dos produtos que anuncia, que ajuda a velhinha a atravessar a rua e esquece que ela usa bengala e não tem a pressa do ajudante.
Antes era até complicado enviar emissários pelo mundo, mas agora todo cidadão de bem posta nas redes sociais suas benesses e o bom velhinho vai somando estrelinhas na lista de presentes. Cada boa ação do ano ganha uma estrelinha. E no Natal você ganhou um carro novo! Viva! Você mesmo que se deu, parabéns! Não dependeu do assistencialismo do velho comunista. Viva a meritocracia, azar de quem não se filiou, por sangue ou apadrinhamento.
Ninguém vai te pedir um milagre, uma bênção ou um vinho (que não cairia mal).
Também não devem esperar que você chegue com um saco vermelho distribuindo presentes pra família toda (afinal, Família é uma merda, escreveu o Rubem Fonseca num conto do livro Pequenas criaturas).
Se você conseguir chegar com um abraço pra cada um que encontrar vai entender que, sim, já é Natal.
