A juíza Maria Cristina de Souza Trulio, da Comarca de Santos Dumont, interditou o empreendimento imobiliário Balneário Reservas do Lago localizado às margens da Represa de Chapéu D’Uvas na zona rural de Ewbank da Câmara. A decisão atende a pedido do Ministério Público, que denunciou, por meio de ação civil pública, a existência no local de “intervenções ilícitas em área de preservação permanente”.
O empreendimento pertence à MDM Arvoredo Empreendimentos Imobiliários que tem entre seus sócios o ex-prefeito de Juiz de Fora, Bruno Siqueira (Avante), e alguns familiares, além do ex-presidente da Cemig, Djalma Morais, morto no final de 2020, vítima da Covid-19. Em setembro de 2021, O Pharol revelou que a empresa havia sido autuada pela Polícia Militar de Meio Ambiente por desmatar formação florestal nativa.
De acordo com o Ministério Público, as intervenções feitas pela MDM Arvoredo Empreendimentos Imobiliários suprimiram “vegetação nativa caracterizada como floresta estacional semidecidual secundária, em estágios inicial e médio de regeneração, inserida nos domínios do bioma Mata Atlântica”. A prática comprometeu uma área de aproximadamente três hectares.
A ação civil pública também apontou a retirada de “produto da flora nativa oriundo de exploração, desmate, destoca, supressão, corte e/ou extração de florestas e demais formas de vegetação” sem a necessária licença ou autorização prévias do órgão ambiental competente. A denúncia ainda contemplou “a morte de florestas e demais formas de vegetação de espécies nativas” em decorrência do empreendimento.
Em sua decisão, a juíza acatou o pedido de tutela de urgência e determinou “a interdição do empreendimento imobiliário Balneário Reservas do Lago Chapéu D’uvas”. Também ordenou que MDM Arvoredo Empreendimentos Imobiliários “interrompa imediatamente todas as intervenções nas áreas comuns nativas, nas áreas de reserva legal e nas áreas de preservação permanente às margens da Represa de Chapéu D’Uvas, paralisando-se todas as atividades no empreendimento imobiliário”.
A magistrada determinou ainda o encaminhamento da decisão para a Polícia Militar Ambiental, a Fundação Estadual do Meio Ambiente, o Instituto Estadual de Florestas, o Instituto Mineiro de Gestão das Águas e a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável para que implementem a interdição na área. A multa diária em caso de descumprimento é de R$ 10 mil.
Conforme pedido pelo Ministério Público, foi feito bloqueio de bens imóveis de propriedade da MDM Arvoredo Empreendimentos Imobiliários por meio do CNIB (Central Nacional de Indisponibilidade de Bens). O bloqueio online por meio do Sisbajud (Sistema de Busca de Ativos do Poder Judiciário) de R$ 1 milhão e a indisponibilidade dos veículos da empresa por meio do Renajud (Restrições Judiciais Sobre Veículos Automotores) não conseguiram ser realizados.
O Pharol entrou em contato com Guilherme Mendes Ferreira, que aparece na Receita Federal como administrador da MDB Arvoredo Empreendimentos Imobiliários, mas não obteve retorno. A decisão juíza Maria Cristina de Souza Trulio foi publicada no dia 18 de novembro e até o dia 1º de dezembro, conforme consulta processual junto ao TJMG (Tribunal de Justiça de Minas Gerais), os oficiais ainda não haviam conseguido notificar a empresa.
Abastecimento de Juiz de Fora comprometido
Desde quando foi desapropriada pela União, na década de 1980, a represa de Chapéu D’Uvas vem apresentando um processo de ocupação desordenado. Mais recentemente, a região tem sido alvo do chamado “capitalismo selvagem”, que entre suas diversas definições, representa a exploração ambiental visando a lucratividade, sem que haja uma preocupação quanto à preservação e sustentabilidade.
A falta de fiscalização para impedir a ocupação desordenada é apontada como um dos fatores para este efeito nas margens do manancial, que prejudicam todo o ecossistema e, especialmente, os 146 milhões de metros cúbicos com potencial para abastecer Juiz de Fora pelos próximos 50 anos.
A situação se agravou nos últimos anos com mudanças na legislação de uso e ocupação do solo impetradas pelos municípios de Ewbank da Câmara e Santos Dumont, onde se localiza toda extensão do lago de Chapéu d’Uvas. Por conta das investidas do setor imobiliário, uma vasta área próxima à represa foi elevada à condição de domínio para expansão urbana.
As mudanças nas legislações de Ewbank da Câmara e Santos Dumont, no entanto, não alcançam a área desapropriada para construção da barragem. Dessa forma, todo acesso ao espelho d’água é considerado invasão. Os loteamentos e construções erguidas nas proximidades da Represa de Chapéu d’Uvas, dentro da reserva territorial (cota) acima da lâmina d’água em caso de cheia, são irregulares e passíveis de demolição.
Em julho deste ano, durante audiência na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados, o promotor Fábio Rodrigues Laurino, da Coordenadoria Regional das Promotorias de Justiça de Meio Ambiente e Bacias Hidrográficas do Rio Paraibuna do Sul, ressaltou que, como a cota desapropriada nunca foi atingida, “todo acesso que é feito ao lago é feito por meio de propriedade da União”. Ou seja, embarcações são usadas e decks construídos de forma ilegal.
O promotor também questionou o destino do esgotamento sanitário dos loteamentos recém-lançados. “Tem um empreendimento gigantesco e, em termos ambientais, precisamos saber para onde estão pensando em levar o esgoto. Se não me engano, são 100 propriedades de dois hectares cada uma. Em termos de fossa séptica, aquilo não vai dar conta”.
A questão da natureza desse empreendimento – se rural ou urbano – também foi alvo de questionamentos do representante do Ministério Público. Segundo ele, pelo tamanho das áreas comercializadas, parecia ser rural, mas houve mudança na legislação do município de Ewbank, o que o tornaria urbano. “Já solicitei informações aos proprietários.”