Colunas

Pão e circo

Colombina Clandestina é um coletivo artivista independente baseado em Lisboa que atua na criação do Carnaval contemporâneo e sua expressão popular e libertária (Foto: Raquel Pimentel)

Não que eu seja de caçar significado em tudo. Definitivamente, tenho zero gota de misticismo em meu corpo, embora vez ou outra goste de ler o horóscopo recreativamente e atribuir minha vaidade ao meu Sol em Leão. E tenho me divertido cada vez mais observando os fluxos da vida e sua pontualidade ora cruel, ora irônica, ora poética, mas nunca imprecisa.

Meu último carnaval tinha sido em Búzios, em 2020, e me lembro que eu e Matheus ponderamos várias vezes se deveríamos ir ou não ao sempre engarrafado litoral da Região dos Lagos. Decidimos que sim e passamos boa parte do restante daquele ano pandêmico dizendo “ainda bem” por isso. Um respiro de caos, cerveja, filtro solar, amigos e maresia antes da derrocada, de anos inteiros vendo a vida “pela tela, pela janela” – só de lembrar, um arrepio me percorreu a espinha inteira.

E estando em Portugal, confesso que tinha me esquecido um pouco do feriado, já que aqui na metrópole, nem folga a data garante: é ponto facultativo. Mas ontem estávamos em Lisboa, num mirante de onde se vê boa parte da capital, quando começamos a ver pessoas desfilando com fantasias e adereços: primeiro uma, depois mais outra, um grupilho… E começamos a ouvir a trilha que eu já não ouvia desde antes de o mundo se fechar e virar ao avesso – o de todo mundo e o meu, particularmente. Sem dúvida alguma, era carnaval em solo português.

Como acontece nos melhores carnavais, viramos uma rua e o bloco nos encontrou. Daí pra frente o resto do dia foi perdido. Quer dizer, muito bem perdido. E como eu falava há pouco, me pareceu corretíssimo estarmos com o casal de amigos que nos recebeu em Búzios naquela folia derradeira, mais um sinal de que a vida está se aprumando, prólogo de tempos bons a chegar. (Não sei se de fato, porque o destino tem lá suas surpresas, mas pensar assim é bom demais pra que eu não me permita).

Nessa última semana, viralizou um tweet do Simas falando que o carnaval não é pão e circo, que o que espanta miséria é a festa, e que não se faz festa porque a vida é boa. Entendo o ponto, mas discordo. Eu nunca esperei ser arrebatada por uma multidão carnavalesca em plena Lisboa, casada com Matheus, com nossos amigos de Búzios, com Lula presidente, Bolsonaro tendo que se esconder para se manter em liberdade. A banda tocava aquele “olê olê olá” característico, uma brasileirada dançando e com orgulho (e não medo ou vergonha) de ser de onde é. Deitando o cabelo no pão e no circo, porque novamente erradicar a fome de alimento e cultura voltou a ser prioridade.

Mais pão e mais circo por favor, pelamordedeus. Passamos muita fome dos dois por muito tempo.