Colunas

Enquanto perco joelhos

Desde menina vivo com uma aflição, dentre muitas: jamais estar, ao mesmo tempo, em todos os lugares em que meu coração está. Veja bem, sou filha de pais separados e meu pai sempre morou em outra cidade. Além disso, embora boa parte da minha numerosa família sempre tenha se concentrado na nossa Três Rios, tinha sempre alguém em outro canto.

O passar dos anos só aprofundou essa angústia, que cresci carregando como uma mochila mal ajustada, bem rente às costas. Dramática que sempre fui, lembro-me de algumas vezes ir vendo minha cidadezinha sumir em olhos marejados enquanto retornava para Juiz de Fora. Milhares de vezes fiz o caminho inverso, temperado por lágrimas de idêntica quantidade de água e sal.

Sempre pareceu impossível conseguir juntar corpo, mente e coração em um só lugar, gastura que foi ganhando ainda mais camadas com a diáspora de amores, amigos e de mim mesma pelo país e o mundo afora, trajeto natural. Uma vida inteira correndo para aplacar o desejo de estar em vários lugares, sempre perdendo antes da largada.

Achei que era um mal crônico, daqueles que a gente aprende a conviver, como quem anda com um sachê de lactase pra poder se deleitar com meio litro de milkshake ou um pastel de queijo do tamanho de um travesseiro de viagem. Mas – como acontece frequentemente – eu não só estava enganada, como sempre estive.

Alguns dias atrás, cheia de saudades, tomei um voo para o Brasil para fazer meus exames médicos periódicos. Estive com minha família e outras das minhas pessoas favoritas na vida, entre uma maratona de exames e consultas que – felizmente – atestam que minha saúde vai bem. Outros tantos amores não consegui encontrar, porque os poucos dias e muitos quilômetros não permitem que a gente faça tudo que quer. 

Ainda assim, fui à praia e à praça, comi pão de queijo e Biscoito Globo, carimbei minhas pegadas na Beira Rio e na Rio Branco, refiz trajetos que já percorri incontáveis vezes, como pode atestar o Google Maps e meu analógico GPS afetivo. Caminhos que conheço tão bem. 

Ao mesmo tempo, minha vida portuguesa seguia existindo em EAD. Com o sol se pondo em tons de vermelho que eu jamais vi igual. Com os “boa noite, amor” que  me chegavam na palma da mão, enquanto meu corpo ainda teimava em estar no fuso horário europeu. Em vídeos um tanto ébrios das amizades que já fiz dizendo que eu voltasse logo. 

Talvez a gente vá envelhecendo e por ganhar perceptiva ou perder joelhos, vá percebendo que correr pra estar em tantos lugares é inútil. Precisei tropeçar em meu coração durante essa passagem pelo Brasil para perceber que nunca havia saído de lá, assim como, da mesma forma, nunca havia deixado Portugal. Agora – antes tarde do que mais tarde – sei que estou, de corpo, cabeça e coração, em todos os lugares em que meu amor está. Haja mundo!