A Superintendência do Patrimônio da União em Minas Gerais (SPU-MG) concluiu o levantamento geoespacial de todo o perímetro da barragem de Chapéu d’Uvas. Com o procedimento, a União terá pela primeira vez uma radiografia parcial, em coordenadas geodésicas pelo Sistema de Referência Geocêntrico para as Américas (SIGAS 2000), de grande parte do perímetro da represa.
O trabalho já realizado contou com vistoria in loco e vai recuperar de forma precisa os limites de toda a área pertencente à União. A cota acima do espelho d’água, destinada às cheias do reservatório de Chapéu d’Uvas, com 746 metros, conforme consta da certidão de registro do imóvel, integra área desapropriada junto a 150 proprietários rurais que foram indenizados.
A informação da SPU-MG foi encaminhada ao diretor-presidente da Cesama, Júlio César Teixeira, no último dia 15 de setembro por meio de ofício assinado pelo superintendente do órgão, Frank Alves Nunes. O documento é uma resposta ao pedido da Cesama para deixar a operação e manutenção da barragem de Chapéu d’Uvas, conforme revelado por O Pharol.
A SPU-MG alega não possuir “competência legal de operar ou manter equipamentos de barragens lacustres” e revela ter contatado o Ministério do Desenvolvimento Regional, por meio de sua Secretaria de Segurança Hídrica, para solicitar colaboração na busca de uma boa solução para essa questão. Na sua decisão de deixar a operação da barragem, a Cesama alegou ser empresa municipal e a área abrange outras localidades.
Por fim, o órgão da União solicita à Cesama reconsideração da decisão, com o compromisso de “empreender com a máxima celeridade possível a cessão gratuita da área única e especificamente onde se situam os equipamentos/benfeitorias da barragem”. E alerta que uma eventual saída da companhia implicaria “em grande insegurança para a vida e a propriedade de toda a população de Juiz de Fora”.
Tratativas entre Cesama e União seguem
O futuro da operação e manutenção da barragem de Chapéu d’Uvas será debatido entre a Cesama e a União a partir desta terça-feira (28), quando devem se iniciar conversas com representantes do governo federal. A informação foi divulgada pelo diretor-presidente da Cesama, Júlio César Teixeira, em audiência pública realizada na Câmara Municipal de Juiz de Fora nesta segunda (27), sobre a proteção da bacia de contribuição da represa.
Há duas semanas, reportagem d’O Pharol mostrou que a Cesama encaminhou ofício à União informando que desejava devolver a operação da barragem. Assim como havia sido informado à reportagem, o diretor-presidente da Cesama afirmou, durante a audiência pública, que a decisão partiu após uma ação cível movida pelo Ministério Público de Minas Gerais, da comarca de Santos Dumont, que solicita o “desfazimento da barragem”. Conforme Teixeira, “nessa ação, a Cesama entra como ré. Ainda de acordo com o diretor-presidente da companhia, a União foi alertada sobre a questão, mas não deu um retorno sobre a ação cível. Quando a Cesama manifestou que deixaria a operação e manutenção da barragem, a Superintendência do Patrimônio da União em Minas Gerais (SPU-MG), então, encaminhou, no dia 15 de setembro, um ofício em resposta ao comunicado.
“Então, nós começaremos a conversar a partir de amanhã para formalizar esse convênio”, informou Teixeira durante a audiência. Em resposta a um questionamento d’O Pharol, o diretor-presidente da Cesama ainda reforçou que a decisão de devolver a operação à União está mantida, entretanto, “há uma tendência bem grande de reversão”, considerando o retorno da União e que, “de forma colaborativa, tudo caminha no sentido de Juiz de Fora continuar fazendo a manutenção da barragem de Chapéu D’Uvas”.
Também durante a audiência, Teixeira explicou que há uma preocupação quanto à ação movida pelo Ministério Público de Santos Dumont relativa à importância da represa de Chapéu D’Uvas, que colabora para o controle de energia para pelo menos cinco hidroelétricas. Visando a preservação das águas, Juiz de Fora não descarta a construção de um modelo consórcio envolvendo os municípios de Antônio Carlos, Ewbank da Câmara e Santos Dumont.
Audiência debate preservação de represa
A audiência pública realizada nesta segunda foi solicitada pela vereadora Cida Oliveira (PT), com o objetivo de discutir sobre a proteção da Bacia de Contribuição da Represa de Chapéu D’Uvas. Como noticiado por O Pharol, o município de Ewbank da Câmara realizou uma alteração no plano diretor, no qual a área onde se localiza a Fazenda Marrequinhos passou à condição de domínio para expansão urbana. Com isso, permitiu-se a instalação de empreendimentos na região, sendo que o município informou que a ideia era regularizar a ocupação no entorno da represa.
Um desses empreendimentos, o “Balneário Reservas do Lago”, foi autuado pela Polícia Militar de Meio Ambiente por desmatar formação florestal nativa, intervir em área de preservação permanente com uso de maquinário e suprimir vegetação rasteira nativa ciliar.
Durante a audiência pública, o prefeito de Ewbank da Câmara, José Maria Novato, explicou que a região já foi uma das mais produtivas da bacia leiteira. Entretanto, após a construção da barragem, sofreu um “empobrecimento” da zona rural, levando à retirada da população da área, como no caso da Colônia de São Firmino. Muitas pessoas da localidade acabaram procurando trabalho em outros locais, como Juiz de Fora. “Por outro lado, com a barragem, criou-se um potencial diferente, produtivo e econômico. Como gestor público, administrador de uma cidade onde parte da população depende muito de Juiz de Fora, a gente vê potencial de crescimento econômico no entorno da represa, mas esse desenvolvimento tem que ser coordenado. O crescimento vai acontecer, a gente não pode sair dessa discussão, mas tem que ser de forma ordenável, sustentável e equilibrada com meio ambiente”, destaca o prefeito, sem especificar quais retornos a população de Ewbank da Câmara teria com a ocupação da represa.
O representante do “Balneário Reservas do Lago Chapéu D’Uvas”, Joseph Rozini, informou que o empreendimento trata-se de um condomínio composto por 91 sítios, de dois hectares cada, não sendo um parcelamento de solo. Ele ainda destacou que o mesmo contará com estruturas de rede de distribuição de água e, em relação ao esgoto, será exigida a presença de um biodigestor em cada propriedade. “É a única maneira que nós encontramos para garantir a homogeneização de tratamento do esgoto. A nossa preocupação com o manancial é a mesma de todos: preservá-lo.” Durante sua explanação, ele insistiu que o loteamento corresponde apenas a 0,71% de toda a área da bacia de Chapéu D’Uvas.
Ainda assim, durante a audiência pública, prevaleceram manifestações em relação à preocupação com a expansão e a vinda de novos empreendimentos para a região. Além do risco de novas ocupações irregulares do solo, com invasão da Área de Preservação Permanente (APP), em toda a margem da represa, os ambientalistas chamaram atenção para os impactos que este processo pode levar à água de Chapéu D’Uvas, que hoje é responsável pelo abastecimento de 48% de Juiz de Fora.
O processo de degradação de São Pedro e João Penido se repete em Chapéu d’Uvas
Um dos convidados da audiência, o professor da Faculdade de Engenharia e coordenador do Núcleo de Análise Geoambiental (Nagea) da UFJF, Cézar Henrique Barra Rocha, reforçou dados levantados por seu grupo de estudos. Os pesquisadores acompanham todas as represas de Juiz de Fora desde 2012 e revelam que, nos últimos dez anos, a urbanização na região quadriplicou. Tal processo de ocupação sem planejamento é visto não só em Chapéu D’Uvas, mas também nas represas de São Pedro e João Penido.
“Você vê que a coisa vai caminhando de uma maneira que não é a indicada. Ao invés de colocar mata na beira da represa, coloca loteamento e rodovia. É o que aconteceu em São Pedro e também em João Penido. Se pensar nesses processos de ocupação sem planejamento, eles se repetem em todas as represas. Falta fiscalização”, aponta Cézar Barra.
Além disso, a APP, que deveria ser inteiramente formada por mata ciliar, conta com apenas 13% dessa vegetação. “Lá [em Chapéu D’Uvas] tem histórico de cianobactérias. Se entrar esgoto lá, elas voltam. Não é simples, não tem esse negócio de loteamento sustentável. Isso ainda é ilusão no Brasil”, criticou. “Imagina 20 pessoas ocupando um lote hoje, que é um sítio rural, gerando esgoto e consumindo água: o que vai dar isso? Quem fiscaliza essa parte de esgotamento sanitário? Alguém sabe como é feito em João Penido? Como é feito em São Pedro? O esgoto está chegando na área da represa, a gente monitora, e o esgoto está chegando lá. Essas fossas não funcionam. No final das contas, vai pelo lençol freático e chega na água do mesmo jeito. Fora também as lanchas e jet skis”, finaliza, relembrando outra questão envolvendo as atividades de recreação previstas pelos empreendimentos, que também impactam a qualidade da água.
O Brasil vive sua pior crise hídrica dos últimos 91 anos, desta forma, mananciais como o de Chapéu D’Uvas se tornam essenciais ao pensar sobre o futuro do abastecimento de água, em especial, para Juiz de Fora e região, como alertou durante a audiência o ambientalista e presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica dos Afluentes Mineiros dos Rios Preto e Paraibuna, Wilson Acácio. Conforme ele, o Comitê acompanha a situação da represa de Chapéu D’Uvas desde 2017 e já apresentou relatórios sobre os impactos da ocupação desordenada na região, entretanto, nenhuma atitude ainda foi tomada pelas autoridades competentes.
Além disso, o grupo não foi informado sobre os novos empreendimentos previstos no local. “O comitê não é contra o processo de ocupação, mas vamos fazer de maneira planejada.” Para ele, “é preciso que essa audiência mande para as autoridades competentes cobrando para que a gente possa de maneira democrática, transparente e republicana, debater. Não sou contra qualquer empreendimento na represa, mas vamos conversar quem está autorizando”, finaliza Wilson Acácio.
Também participaram do encontro o presidente do Sindicato dos Trabalhadores no Serviço de Água (Sinágua), Edinaldo Ramos; o diretor de Política Ambiental da Associação dos Moradores e Proprietários do Entorno da Represa de Chapéu D’uvas, Wesley Cardoso Pires; o proprietário de terras na região de Chapéu D’Uvas, Marco Túlio Raposo; o sargento Paulo, comandante do 3º grupamento de Meio Ambiente de Santos Dumont, juntamente com o policial militar de meio ambiente, cabo José Vinicius Ferreira Gomes; e o deputado estadual Betão (PT), que propôs, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), um projeto de lei para a proteção da bacia de Chapéu D’Uvas.